4 em cada 10 desistem de ação anticrack de Haddad
Desde janeiro do ano passado, 344 de 798 viciados deixaram o Braços Abertos
Projeto da prefeitura prevê renda e moradia a usuários; gestão afirma que há migração para outros programas
"Tem que falar pro prefeito resolver essa 'fita' aí, senhor." Olhos baixos, Paulo (nome fictício), 31, reclama.
Viciado em crack, ele diz não ter suportado varrer ruas em troca de R$ 15 por dia. "Tenho duas hérnias e não posso trabalhar, mas não é certo eles me deixarem quatro meses sem receber", afirma ele, que se orgulha de ter diminuído o consumo de dez para duas pedras diariamente.
Paulo é um dos 344 participantes que desistiram do programa Braços Abertos --que oferece moradia em hotéis na cracolândia e R$ 15 por dia de trabalho para tentar livrar o usuário do vício.
Ele é também um exemplo da complexidade do tratamento desses dependentes. A desistência representa 43% das 798 pessoas que aderiram ao programa, iniciado há um ano e quatro meses.
Aposta da gestão Fernando Haddad (PT) para enfrentar o fenômeno da cracolândia --que completa 20 anos--, o Braços Abertos tem hoje 494 beneficiários (305 homens e 189 mulheres).
Segundo a administração, aqueles que abandonaram a ação migraram para outros tipos de acolhimento ou voltaram para suas famílias. Não se sabe, porém, quantos deles já voltaram às ruas.
Especialistas ouvidos pela Folha dizem que o índice de desistência segue o padrão dos demais tratamentos.
O programa municipal prega a chamada redução de danos, em que o dependente é incentivado a diminuir gradativamente o consumo da droga, sem internação e com oferta de emprego e renda.
Já a gestão do governador Geraldo Alckmin (PSDB) tem projeto antagônico. Batizado de Recomeço, o modelo estadual trabalha a saída do vício com tratamentos que incluem isolamento em hospitais e comunidades terapêuticas.
De acordo com o psiquiatra Dartiu Xavier, coordenador de treinamento de agentes da ação da prefeitura, modelos de tratamento que não visam a abstinência deram certo em Vancouver (Canadá) e em Nova York (EUA).
"No Brasil, a maioria dos médicos tem visão forjada no falido modelo americano de guerra às drogas", diz Xavier.
"Na cracolândia, estão pessoas que já viviam em exclusão. Temos que ensinar estratégias para que elas não tenham uma relação destrutiva com o produto", afirma.
Visão oposta tem o psiquiatra Ronaldo Laranjeira, coordenador do projeto estadual.
"Achar que o usuário vai ficar na esquina onde se vende crack a R$ 2 e não vai usar a droga é não entender o que é dependência. Ele precisa de ambiente protetor, o que a rua não é", afirma.