Casamento à cubana
Após nove meses de processo e duas proibições, Justiça autoriza união entre brasileira e estrangeiro do Mais Médicos
Apenas seis linhas formam a alínea K do contrato do médico cubano Adrian Estrada Barber, 28, no Brasil desde março do ano passado para participar do programa federal Mais Médicos.
O pequeno trecho, porém, rendeu um processo judicial de 120 páginas, que se arrastou por nove meses, passou por duas decisões desfavoráveis e terminou em final feliz: o cubano poderá, sim, se casar com uma brasileira.
"Foi como se minha vida estivesse no escuro e, de repente, saiu a luz", disse o médico à Folha sobre a decisão da última terça (23) que autorizou o casamento.
A Justiça relutava em aprovar a união porque o contrato entre Cuba e seus profissionais prevê que todo relacionamento seja comunicado previamente às autoridades daquele país.
O casal, porém, entende que não há proibição e afirma cumprir tudo o que prevê a legislação brasileira.
Barber conheceu a farmacêutica Letícia Pedroso, 42, há pouco mais de um ano. Dias depois de chegar a Arapoti, município de 27 mil habitantes no interior do Paraná, ele foi apresentado a ela por um amigo em comum.
"Logo depois que eles saíram, mandei uma mensagem: 'Interessante o seu amigo'", conta Letícia, aos risos. "Bateu uma empatia imediata. Ele era calmo, tranquilo."
O médico --introvertido, mas conquistador, segundo a noiva-- mandou flores na semana seguinte, com um bilhetinho ainda em "portunhol". Passaram a trocar mensagens e a sair. Um mês e meio depois, moravam juntos na quitinete do médico.
"Conheci a outra metade da minha vida", diz o cubano, aos beijos e abraços com a companheira brasileira.
O pedido de noivado foi feito em julho. A aliança estava escondida dentro de uma rosa vermelha, entregue a Letícia num almoço surpresa.
Em setembro, os dois deram entrada na papelada para oficializar a relação. Foram informados de que o processo duraria de 15 a 30 dias. Levou nove meses.
NOVELA
A espera foi de perder o sono, diz o casal, que chegou a temer a transferência ou a expulsão de Barber do país.
"Há muito misticismo em relação ao programa. Mas a gente não entende por quê. Só quer o direito humano de casar", diz Letícia.
Foi o cartório de Arapoti que suscitou a dúvida sobre a tal alínea K do contrato de Barber, assinado com a Comercializadora de Serviços Médicos Cubanos. A estatal do governo de Raúl Castro coordena a vinda dos cubanos ao Brasil.
O acordo, assinado em Havana, cita um regulamento para cubanos em missão no exterior, que prevê que todo relacionamento amoroso deve ser comunicado previamente ao superior imediato, incluindo a intenção de se casar. A pena é de multa, advertência, suspensão ou até expulsão do programa.
O entendimento da Justiça sobre o caso foi errante. O juiz Marco Antônio Azevedo Júnior, de Arapoti, disse em outubro que havia "vedação expressa" ao matrimônio no contrato e enviou o processo à Justiça Federal.
Lá, um procurador recomendou a análise pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça), por se tratar de contrato firmado no exterior.
Em Brasília, cinco meses depois, o STJ entendeu que a competência era do juízo de primeira instância, por não envolver tratado internacional celebrado pelo Brasil.
O processo voltou para Arapoti e, nesta semana, o novo juiz da comarca, Dawber Gontijo Santos, fez valer a lei brasileira e autorizou o casamento, por fim.
Para o magistrado, o contrato do médico cubano, "por ter cunho meramente patrimonial, não tem o condão de se impor sobre norma de ordem pública" nem "qualquer reflexo" sobre o casamento. O casal, afirma ele, cumpre todos os requisitos para matrimônio previstos no Código Civil brasileiro.
Barber e Letícia comemoraram a notícia com champanhe. Pensaram em se casar ainda nesta semana, mas preferiram planejar uma pequena cerimônia. Devem se casar até o final de julho.