Ilustrada em cima da hora FLIP 2015
Cartunista critica peso político do traço
Ex-colaborador do jornal 'Charlie Hebdo' diz que é complicado ser visto como paladino da liberdade de expressão
Em outra mesa, ao lado da portuguesa Alexandra Lucas Coelho, a argentina Beatriz Sarlo falou sobre seus relatos de viagens
Faça-me rir, doa a quem doer? Não é bem assim. Na tarde deste sábado (4) na Flip, os cartunistas franceses Plantu e Riad Sattouf mais o brasileiro Rafa Campos debateram como rabiscos numa folha de papel podem mudar o mundo --para o bem ou para o mal.
Questionado sobre sua missão como desenhista, Rafa brincou: "Irritar o máximo de pessoas que puder, e pelo feedback tenho conseguido."
Fala-se do terrorismo lá fora. Mas, para o autor de "Deus, Essa Gostosa" (Quadrinhos na Cia), o Brasil também não está de brincadeira.
"Somos o Terceiro Reich do índio, o Talibã da mulher e o Ku Klux Klan da população negra", disse, com "feedback" positivo desta vez, recebendo aplausos.
Autor do premiado "O Árabe do Futuro"e ex-colaborador do "Charlie Hebdo", alvo de ataque terrorista com saldo de 12 mortos em janeiro, Sattouf questionou se é justo carregar um peso tão grande.
"De uma hora para outra, fomos vistos como paladinos da liberdade de expressão, e isso é complicado", disse em Paraty, antes do debate. "Viramos especialistas em geopolítica, mas o cartunista é alguém tímido, sem sucesso com mulheres. Ninguém mais afastado dessa coragem toda."
Plantu, cartunista político por excelência, há três décadas assina a charge na primeira página do jornal francês "Le Monde". Em 2006, criou a ONG Cartooning for Peace (cartunistas pela paz) como resposta à polêmica provocada por uma charge dinamarquesa na qual aparece o turbante do profeta Maomé.
Para o francês, é preciso "prestar mais atenção hoje" para encontrar a fórmula de exercer "a liberdade de expressão sem humilhar ninguém".
Mediador do bate-papo, o quadrinista Claudius citou o caso, no Brasil, de Apparício Torelly, o Barão de Itararé (1895-1971), que ridicularizava Getúlio Vargas até apanhar da polícia e pendurar na porta o cartaz: "Entre sem bater".
Pela manhã, o primeiro debate, com a ensaísta argentina Beatriz Sarlo e a jornalista portuguesa Alexandra Lucas Coelho, desviou do tema original, viagens, para a política.
"Há um caminho de esperança no Brasil porque a Justiça está atuando contra a corrupção", disse Sarlo. A ensaísta argentina fez a observação ao comparar o problema na Argentina e no Brasil.
"Em meu país, o vice-presidente [Amado Boudou] está enfrentando um processo e mesmo assim não deixou o cargo. A corrupção é condenável em todas as suas formas, mas no Brasil vejo mais esperança do que em meu país para resolver esse problema."
Sarlo e Alexandra lançaram recentemente livros de viagens --a argentina, o e-book "Viagens "" Da Amazônia às Malvinas", pela América Latina, enquanto Alexandra publicou "Vai, Brasil", em que narra sua experiência no Rio de Janeiro.
LULA E CHÁVEZ
"Todas as viagens servem, em qualquer idade", disse Sarlo, ao comparar sua ignorância, aos 20 anos, quando visitou Brasília, nos anos 1970, com a experiência com a qual viajou às ilhas Malvinas, em 2013, durante o referendo em que os moradores decidiram continuar sendo parte do Reino Unido.
Alexandra ressaltou que foi importante chegar para viver no Rio após os 40, tendo realizado antes coberturas de guerra no Oriente Médio.
"Mas foi apenas quando visitei o México, e tive contato com um indígena mexicano, que me senti preparada para sentir os efeitos dos colonialismos espanhol e português. O passo seguinte teria de ser o Brasil", disse a portuguesa.
Instada a falar sobre o ex-presidente Lula, Sarlo analisou a importância do carisma dos políticos na América Latina.
"Não é algo que se transfere ou se constrói. O mesmo ocorreu com [o ex-presidente da Venezuela] Chávez. Ainda que [o sucessor] Maduro fosse inteligente, e não creio que seja, não herdaria isso. Gostaríamos de pensar que preferimos um mundo em que a política seja mais racional, mas não é assim na América Latina."
DESCULPAS
Em outra mesa do dia, o jornalista britânico Ioan Grillo entusiasmou a plateia ao questionar o modo como as drogas são debatidas pela sociedade e pela imprensa. Com o mexicano Diego Enrique Osorno, ele pediu mudanças na abordagem do assunto.
Eles substituíram o italiano Roberto Saviano, que cancelou sua participação no evento devido a problemas de segurança. Antes da apresentação, foi mostrado um trecho de um vídeo em que o jornalista, jurado de morte pela máfia napolitana desde que lançou "Gomorra", pede desculpas por não comparecer.
Osorno tratou da estrutura dos cartéis, tema de seus livros. "O que vimos em filmes como 'O Poderoso Chefão' já não existe mais, agora o que há é puro capitalismo", explica ele.
"No México temos empresas, algumas muito horizontalizadas, que não correspondem mais à ideia que tínhamos de quadrilhas. Tanto que se prendem um 'capo' como Joaquín 'Chapo' Guzmán, seu grupo continua operando, vendendo droga a 57 países e matando como sempre."