Minha História - Naema, 44
Uma professora em fuga
Refugiada em São Paulo há um ano, nigeriana quer reunir a família que deixou para trás ao fugir do grupo terrorista islâmico Boko Haram
RESUMO Naema (nome fictício), 44, caminhou por dias a pé para escapar dos ataques do Boko Haram, grupo terrorista islâmico, no norte da Nigéria. Um ano depois, ainda sente dores nas pernas. Foi acolhida em São Paulo com ajuda da Caritas, entidade da Igreja Católica. Naema agora é faxineira em um shopping na cidade e quer reencontrar a família.
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Nasci e cresci no Estado de Anambra, no sul da Nigéria. Fiz faculdade de Administração de Recursos Humanos. Casei na igreja num lindo vestido branco em 2 de março de 1991. Celebramos a união em uma festa com toda a família e amigos. O primeiro dos meus quatro filhos nasceu dois anos depois. Há um ano,desde que cheguei a São Paulo, estou totalmente separada da minha família.
Vim para o Brasil porque era alvo do Boko Haram: mulher, professora, católica. Eles não querem que as meninas estudem e aprendam, só que se casem.
Recebi ameaças. Eles deixavam cartas e bilhetes no meu portão, mandando a escola fechar.
Me mudei para o norte do país, onde 80% da população é muçulmana, para fazer trabalho voluntário. Aquele território agora está dominado pelo Boko Haram. Por causa das perseguições, os professores fugiram e as crianças ficaram sem aulas. Virei professora de inglês em uma escola católica com turmas da primeira à sexta série do ensino fundamental, com até 25 crianças por turma.
Minha família me apoiou, mas, por causa do perigo, não foi comigo. Nos víamos nos fins de semana. Meus filhos e meu marido fugiram para Benin, país vizinho, e eu fugi para o Brasil.
Quando virei voluntária, há cerca de três anos, o Boko Haram ainda não era tão forte --mas nem por isso era menos mortal. Eu tinha muito medo. Era meu rosto que eles procuravam. Pela cor da pele eles sabem quem veio de outras regiões do país. Eu sou do sul, então eles deduzem que sou católica e alfabetizada. Isso me colocava em risco. Entre os muçulmanos radicais, as mulheres são tão maltratadas que se sentem inferiores, não falam, não opinam.
Quando sequestraram as 276 meninas de uma escola em Chibok, em abril de 2014, nós realmente ficamos apavorados. Antes havia medo, mas lidávamos com isso. Depois do sequestro, as coisas pioraram.
Em um domingo, o Boko Haram pôs uma bomba numa igreja, durante a missa. Foi aí que soube que nunca mais voltaria para casa. Pessoas morreram no ataque. Eu estava perto e temi ser a próxima. Corremos para as barreiras policiais. Quem pegou ônibus foi atacado pelos terroristas. A única saída era fugir a pé. Passei dias correndo para atravessar a fronteira com o Benin, só peguei um ônibus do outro lado. Agora, faço fisioterapia todos os dias por causa da dor intensa que sinto nos pés e nas pernas. A lesão surgiu do esforço da fuga.
Mas o pior foi o dano emocional. Fiquei meses em depressão. Eu ainda escuto o choro, os gritos e as bombas quando fecho os olhos. Não esqueço de uma mulher sentada enquanto todos corriam. Ela não conseguiu mais caminhar e rezava pelos filhos. Não sei se ela sobreviveu. O Boko Haram também se escondia em arbustos para matar os que ficavam para trás.
Desde que cheguei ao Brasil estou passando por uma espécie de cura. Recebi ajuda psicológica e médica, além de participar dos grupos de apoio na Caritas, entidade que me acolheu.
Não sou mais professora nem gerente de recursos humanos. Trabalho como faxineira em um shopping, não tenho outra opção. Mas não posso reclamar. O trabalho ocupa minha mente e preciso guardar dinheiro para ajudar minha família a vir para São Paulo. Consegui crédito para o meu celular e liguei para eles, enviei fotos das minhas pernas para saberem que estou melhorando. Moro de aluguel em um apartamento compartilhado.
Agradeço todos os dias por estar viva.