Caso de ex-PM preso faz Justiça discutir se ler equivale a estudar
Defensoria obteve no STJ decisões segundo as quais leitura vale, tal como estudo, para abater pena de prisão
Ministério Público de SP foi contra; Justiça foi acionada porque lei não é clara quanto à leitura como modo de remição
Jefferson teve 30 dias para ler o best-seller "A Cabana", de William P. Young, e mais dez para escrever uma resenha sobre a obra. Ao fazer isso preso, Jefferson estudou?
A questão está hoje no centro de uma cizânia entre juízes, promotores e defensores públicos. Na falta de consenso sobre se ler é estudar, o que permite remição ao preso, a discussão chegou ao STJ (Superior Tribunal de Justiça).
Em junho, o ministro Sebastião Reis Jr. julgou que Jefferson dos Santos, ex-PM condenado a 12 anos de prisão por extorsão, estudou, sim, ao ler, e poderá subtrair quatro dias da pena que cumpre no presídio Romão Gomes (SP).
A Defensoria fez ao todo 15 pedidos, após o Ministério Público contestar a legalidade da medida. Onze aguardam julgamento no STJ. Santos e mais três presos obtiveram decisões favoráveis.
A discussão só acontece porque a leitura não está claramente expressa na Lei de Execução Penal, que determina a remição pelo estudo (a cada 12 horas de frequência escolar, um dia é extinto).
Sobre o tema, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) recomendou em 2013 que a leitura de obras "literárias, clássicas, científicas e filosóficas" fosse incentivada nas prisões.
O preso pode ter até 48 dias de perdão num ano caso faça uma resenha por mês. O juiz adota a prática se quiser.
Nos quatro presídios federais do país, o projeto existe desde 2009. Houve adesão de 3.067 presos: das 2.493 resenhas, 2.197 foram aprovadas.
Há projetos parecidos em 16 Estados, por decisão de juízes favoráveis à ideia. No Paraná, a medida –aplicada em todas as prisões– é lei desde 2012. Em três anos, 19.069 resenhas já foram aprovadas. Há preso que já leu 30 obras.
Em SP, com a maior população carcerária do país (cerca de 200 mil pessoas), só 33 presos se beneficiaram da leitura, segundo a Secretaria de Administração Penitenciária.
Em Minas, três prisões adotaram o programa neste ano. Em Governador Valadares, a academia de letras local toca o projeto a pedido de um juiz.
No Rio, Ministério Público e Justiça se opuseram ao plano. "O problema não é o pleito, mas como controlo o que foi lido", diz Eduardo Oberg, juiz titular da Vara de Execuções Penais do TJ do Rio.
A promotora Maria da Glória Figueiredo, coordenadora do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Execução Penal no Rio, diz que a leitura não é o processo educacional em si e que a ideia desestimula a criação de escolas nas prisões. "Presos entram e saem analfabetos. Isso não pode."
O LEITOR MARCOLA
Ao questionar a remição de Jefferson, em SP, o promotor Adalberto Denser de Sá Jr. cita nos autos Marcola, chefe do PCC, que tem fama de ler muito. "O maior criminoso de SP leu mais de 3.000 livros e não se ressocializou", afirma.
Ele alega que resenhas podem ser copiadas da internet.
Procurado, o Ministério Público disse que o promotor não iria se manifestar.
Para Camila Tourinho, defensora que cuidou do caso de Jefferson, é desnecessária a previsão na lei. "Leitura é estudo. É até ridículo falar."
Jayme Santos Jr., juiz assessor da Corregedoria Geral de Justiça de SP, diz que a leitura "tem grande capacidade de formação e transformação". O Estado, afirma, deve implantar o projeto na maior parte dos presídios até 2016.