Santo de casa
Paróquia de São Pedro sofre racionamento e instala cisternas; procissão por chuva sai neste domingo às 15h da igreja da Consolação
Nos últimos três meses, o dia em que a pensionista Ilda Deleve dos Santos, 75, moradora da Mooca (zona leste), quer tomar um "banho legal", precisa madrugar. "Senão a água acaba. Eu levanto às 6h e já tomo uma ducha, porque às 14h não sai mais nada na torneira", diz. A rua em que ela mora sofre com redução de pressão da Sabesp das 13h às 5h.
Ilda, devota de são Pedro, passou a pedir com mais frequência a ajuda dos céus para amenizar a maior crise hídrica de São Paulo.
"Nas rezas de terço pedimos chuva, na missa, o padre ora por chuva. Já fiz novena também para são José, e caiu um toró!", lembra ela, que não culpa os santos pela falta d'água. "Deus é que deve reclamar da gente, não cuidamos da natureza."
O pároco da igreja São Pedro Apóstolo, Jesus Silva, 69, diz que nos últimos meses também vem pedindo a intercessão do padroeiro para acabar com a seca. Segundo ele, como o Evangelho diz que Jesus confiou as chaves da porta do céu a Pedro, há uma crendice que associa o santo a fenômenos meteorológicos.
"Aí a gente apela mesmo! São Pedro era muito amigo de Jesus e pode pedir para Ele mandar chuva", fala.
A igreja da Mooca também sofre cortes no abastecimento de água. Recentemente, foram instaladas cisternas no local para captar chuva.
Outra devota de são Pedro que sofre com as torneiras secas em casa é a costureira Leila Araújo, 43, de Carapicuíba, na Grande São Paulo, frequentadora da paróquia São Pedro e São Paulo desde os 7.
Em sua residência tem água "dia sim e dia não", e banhos de bacia são rotina, assim como rezas por chuva.
Em suas preces, Leila não apela somente a são Pedro, padroeiro da cidade. "Rezo mais para Deus, que está no comando. O santo é intercessor", diz. "Os outros pensam que por são Pedro abrir as portas do céu ele comanda a chuva, mas não é exatamente esse tipo de porta que ele abre [risos]."
A paróquia frequentada pela costureira também fica algumas horas por dia sem água, segundo o padre Carlos Roque.
Mas o sacerdote não reclama com são Pedro pelos momentos a seco. "Não vamos colocar a culpa no santo. Esbanjamos água, desmatamos a floresta, não cuidamos da camada de ozônio. A culpa é do homem. Mas a fé pode ajudar, sim", diz ele, que pede por chuva nas missas.
MARCHA PELA ÁGUA
As preces pelo fim da seca se intensificaram tanto nas paróquias que a Arquidiocese de São Paulo decidiu fazer uma procissão por chuva.
Neste domingo (22), às 15h, a entidade promove uma marcha que sairá da igreja da Consolação e seguirá até a praça da Sé.
Na convocatória para o evento, o arcebispo de São Paulo, dom Odilo Scherer, envia a oração pela chuva do beato Paulo 6º e lembra que esta não será a primeira vez que o povo de São Paulo sairá às ruas "em oração e procissão" para pedir água do céu. A última grande passeata com esse propósito na capital paulista, segundo ele, aconteceu em 1957.
A ideia da procissão, segundo o padre Tarcisio Marques Mesquita, coordenador de Pastoral da Arquidiocese, é também conscientizar a população sobre o uso da água. "Choveu neste mês, e aí vem a sensação de que as coisas vão melhorar, mas temos que nos lembrar que estamos [o Cantareira] no volume morto", afirma Mesquita. "É um momento também de fazer as pessoas pensarem. Existe desperdício, desmatamento, falta de políticas públicas."
No andor da procissão, são Pedro não terá vez, mas sim são José, como ocorre no Nordeste. "Na Europa Medieval houve um período de seca e São José intercedeu, por isso ele também é chamado de pai da chuva", explica o padre Ramires Andrade, 32, da igreja São José do Ipiranga.
Na paróquia, a operadora de caixa Cleo Moura, 46, já propôs uma missa às margens do Cantareira. "Rezamos sempre para vir chuva. Temos que agradecer a Deus por essas que ele está mandando, mas ainda precisa de muito mais."