São Paulo, domingo, 26 de dezembro de 1999




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Geopolítica da fé

GLOBALIZAÇÃO REFORÇA OS FUNDAMENTALISMOS NO TERCEIRO MUNDO E PROVOCA EXPANSÃO DA MAGIA E DO ESOTERISMO EM PAÍSES DESENVOLVIDOS

IGNACIO RAMONET
do “Le Monde Diplomatique”

Os quatro maiores conflitos que marcaram o mundo em 1999 são, pelo menos em parte, conflitos religiosos: Kosovo, Caxemira, Timor Leste e Tchetchênia.
O mesmo se aplica a outros conflitos endêmicos neste final de milênio: Oriente Médio (judeus/muçulmanos), Bálcãs (ortodoxos/católicos/muçulmanos), Irlanda do Norte (católicos/protestantes), Afeganistão (extremistas/ muçulmanos moderados), Sudão (muçulmanos/cristãos), Argélia (extremistas/muçulmanos moderados), Chipre (muçulmanos/ortodoxos), Nagorno-Karabakh (cristãos/muçulmanos) e Tibete (ateus/budistas).
A globalização, com seu projeto de homogeneizar culturalmente as sociedades, produz em várias partes do mundo tentativas de retorno à própria identidade, e esses processos se alicerçam sobretudo nas doutrinas religiosas.
Além disso, o fim do confronto ideológico entre liberalismo e comunismo em 1989/1991 criou uma crise de identidades políticas, que favoreceu o ressurgimento das identidades religiosas e étnicas em todo o mundo. Com sua experiência milenar, as grandes religiões constituem arquiteturas intelectuais poderosas, capazes de proporcionar toda uma filosofia de vida a cada indivíduo.
Elas atendem às aspirações espirituais dos seres humanos, à necessidade de crer em valores elevados, e oferecem respostas às suas angústias diante do medo, do sofrimento e da morte. Afirmam o que é verdadeiro, bom e justo e, assim, traçam para cada pessoa um quadro de referência que a ajuda a interpretar o mundo.
Nas últimas décadas, em razão de mudanças demográficas, a distribuição geográfica das religiões mudou muito. O cristianismo continua sendo a maior religião, com 1,9 bilhão de adeptos e boa implantação em regiões de altos índices de natalidade (América Latina, África). Em 1939, os três maiores países católicos eram França, Itália e Alemanha. Hoje são Brasil, México e Filipinas. O segundo maior país protestante é a Nigéria, e a maioria dos anglicanos é formada por negros.
A segunda maior religião do mundo é o islamismo, com 1,3 bilhão de fiéis. Essa religião é cada vez menos árabe e menos ligada ao Oriente Médio, tanto que os três maiores países muçulmanos do mundo são Indonésia, Paquistão e Bangladesh.

NOVAS RELIGIÕES MUDAM O OCIDENTE
Um fenômeno recente é o das novas religiões, que crescem sem parar no Ocidente. Seus fiéis recorrem a formas pré-racionais de pensamento, como a superstição e o esoterismo. A busca espiritual é natural em todo ser humano. Ela significa uma busca por sentido: o sentido da vida, da humanidade, de ser em conjunto. As grandes religiões, hoje em grande medida despojadas de fanatismo, respondem a essa busca.
Mas, dentro delas, alguns fiéis convocam os valores de honestidade, justiça e solidariedade, dos quais são portadoras as doutrinas das grandes religiões, opondo esses valores à corrupção, à injustiça, às desigualdades, à imoralidade. Eles pedem ao clero um retorno aos valores originais.
Assim, difundiram-se pelo mundo diversos fundamentalismos: o islâmico, na Arábia Saudita, no Irã, no Afeganistão e na Argélia; o extremismo hindu na Índia; o movimento carismático no meio católico; o pentecostalismo nos EUA e em todo o universo protestante; a ascensão dos judeus ultra-ortodoxos em Israel.
Em vários países esse suposto retorno aos valores religiosos originais se faz acompanhar de ativismo político e tentativas de conquista do poder, se necessário pelas armas e a violência. O dogmatismo religioso está voltando à cena no mundo e, por sua vez, alimenta outros fanatismos, criando uma espiral de pesadelo que leva alguns países (por exemplo, nos Bálcãs) a retroceder às piores cenas da Guerra dos 30 Anos, na Europa, na qual católicos e protestantes promoveram enormes derramamentos de sangue.
Preocupadas com a globalização da economia, muitas pessoas fogem para um discurso religioso, do mesmo modo que outras se voltam para a droga, o álcool, as superstições e práticas ocultistas. Todos os anos, mais de 40 milhões de pessoas na Europa consultam videntes e curandeiros. Uma em cada duas pessoas afirma ser sensível a fenômenos paranormais. As seitas iluministas que se multiplicam com a aproximação da virada do ano 2000 já teriam mais de 300 mil adeptos.
Nos últimos 25 anos, ao mesmo tempo em que a situação econômica se deteriorava e que o número de excluídos aumentava, as novas seitas e superstições se multiplicaram na Europa. É como se, no movimento lento das mentalidades, entre o terreno conquistado pela racionalidade técnica e aquele perdido pelas religiões tradicionais, tivesse sobrado uma terra de ninguém que está sendo ocupada por novas crenças ou formas de religiosidade arcaicas. Com o retorno dos tempos difíceis, as pessoas voltam a depositar suas esperanças na divina providência e a acreditar em milagres.
A crença nos velhos mitos pagãos do destino e da fortuna se fortalece, e hoje, 3.000 anos após os caldeus, invoca-se o poder dos astros. Embora cientes de que essas crenças são incompatíveis com o espírito científico, os cidadãos, intimidados pelos riscos dos novos tempos, aderem a seus ditames. Desse modo, desafiam os critérios de uma racionalidade tecnológica que nem sempre oferece respostas a seus temores (desemprego, Aids, câncer).
Nas sociedades neoliberais que têm como lema o slogan “que vença o melhor’’, cada um procura provar que, apesar de sua situação social objetiva, pode ser um vencedor _e isso por meio de jogos de azar. Assim, o acaso toma o lugar do sagrado, num fenômeno ao mesmo tempo fascinante e assustador. A incerteza quanto ao futuro e o frenesi dos jogos de azar levam multidões de candidatos a fazer fortuna a procurar magos, videntes ou paranormais.
Na França, mais de 20 mil magos, sensitivos, astrólogos e videntes mal conseguem oferecer respostas às dúvidas de 4 milhões de clientes regulares. O esoterismo está em plena expansão: metade dos franceses consulta seu horóscopo regularmente.

Tradução de Clara Allain

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