São Paulo, domingo, 26 de dezembro de 1999




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Novos crentes valorizam a prosperidade

NEOPENTECOSTAIS ABANDONAM VETOS À BEBIDA E AO FUMO, PRIORIZAM A AQUISIÇÃO DE EMISSORAS DE TV E ESTIMULAM A PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DE SEUS FIÉIS

PATRICIA ZORZAN
CLÁUDIA TREVISAN
da Reportagem Local

Vistos até a década de 80 como uma minoria exótica num país católico, os “crentes” se modernizaram e chegam ao fim do milênio como a maior novidade do mercado religioso do Brasil.
O estereótipo do fiel de terno, gravata, cabelo curto e com a Bíblia sob o braço continua a existir em igrejas como a Deus é Amor, que adota um rígido padrão de comportamento para seus seguidores, incluindo a separação entre homens e mulheres durante a realização dos cultos.
Mas a expansão dos evangélicos se deu principalmente entre as chamadas igrejas neopentecostais, como a Universal do Reino de Deus e a Renascer em Cristo, as quais, adotando uma “fé de resultados”, valorizam a prosperidade material de seus adeptos e são mais tolerantes em relação a questões comportamentais.
Entre as novidades desse novo protestantismo está também a participação política, que, vista até os anos 80 como ‘‘coisa do diabo’’, tornou-se uma das prioridades dos evangélicos brasileiros.
Só na Câmara dos Deputados, o grupo possui hoje uma bancada formada por 45 parlamentares, que representam dez diferentes denominações.
‘‘Foi um grande erro não termos participado da política há mais tempo. Diziam que a política era coisa do diabo, e esse ranço ainda ficou por um tempo. Hoje quem vem com essa coisa não tem credibilidade’’, afirmou o deputado federal e bispo da Universal Carlos Rodrigues (PL-RJ), coordenador político da Igreja.
De acordo com estimativas da Universal, pelo menos 600 candidatos da Igreja disputarão uma vaga no legislativo municipal nas próximas eleições.
‘‘A partir da Constituinte, com o boato de que o catolicismo seria adotado como religião oficial do país, os evangélicos começaram a se candidatar. Atualmente, eles ainda transformaram seu poder político em poder religioso e midiático’’, afirma o sociólogo Ricardo Mariano, autor do livro ‘‘Neopentecostais: Sociologia do Novo Pentecostalismo no Brasil’’.
Longe da proibição de assistir à televisão, os grupos evangélicos são agora proprietários de emissoras e atuam como verdadeiros grupos empresariais. Os exemplos mais notórios são o da Universal, dona da Rede Record, e o da Renascer em Cristo, que chegou a controlar a extinta Rede Manchete, mas teve seu contrato rompido por falta de pagamento de salários e de dívidas.
Segundo Mariano, a presença na mídia acabou legitimando a atuação dos evangélicos. ‘‘Com a TV, essas igrejas se tornaram conhecidas e reconhecidas.’’
O abandono da velha estética protestante, avalia o sociólogo, representou uma adaptação dessas denominações ao mundo.
‘‘Tudo o que não fosse família, igreja e trabalho era pecado. Mas, com o aumento de renda da população em geral e dos evangélicos, essas pessoas passam a experimentar os prazeres do mundo. Antes era fácil não ter de abrir mão de nada, mas com o acesso à escola e ao mercado de consumo, eles tiveram de mudar ou perderiam fiéis’’, afirma Mariano.
Entre as áreas de atuação dessas igrejas estão editoras, livrarias e gravadoras. ‘‘Com o surgimento dos neopentecostais nos anos 60 e 70, os evangélicos vão ficando menos sectários e se inserindo em segmentos dos quais se auto-excluíam, como a política, a mídia e atividades lucrativas’’, completa.

TEOLOGIA DA PROSPERIDADE
Baseado em dados de 80 e de 91 do IBGE (Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), Mariano calcula um crescimento de 112% entre os seguidores de igrejas neopentecostais, contra 15,1% de católicos e 9% de luteranos e presbiterianos, os chamados protestantes históricos.
‘‘Essas igrejas crescem porque oferecem respostas imediatas para problemas constantes. Além disso, cada fiel ainda atua como um missionário’’, declara o sociólogo Waldo Cesar, autor, em parceria com o teólogo Richard Shaull, do livro ‘‘Pentecostalismo e o Futuro das Igrejas Cristãs’’.
Adeptas da Teologia da Prosperidade, que apresenta a possibilidade de aquisição de bens como um sinal de espiritualidade e promete progresso material, igrejas como a Universal e a Internacional da Graça de Deus orientam seus fiéis a ‘‘dar para receber’’, ou seja, a contribuir com dízimos para receber bênçãos.
‘‘Isso está provocando uma inversão de valores. Fazem isso ao enfatizar quase que exclusivamente o retorno da fé nesta vida, pouco versando acerca da mais grandiosa promessa das religiões de salvação: a redenção após a morte’’, escreve Mariano em seu livro.
Dessa forma, o dízimo torna-se obrigatório, e a fé, um meio de obtenção de benefícios junto a Deus.
‘‘Nós ensinamos as pessoas a cobrar de Deus aquilo que está escrito. Se Ele não responder, a pessoa tem de exigir, bater o pé, dizer ‘estou aqui, estou precisando’’’, disse à Folha, em 1991, o bispo Edir Macedo, líder da Universal.
De acordo com Mariano, os defensores da “teologia da prosperidade” afirmam que estão contidas nos versículos de Malaquias (3,9;10) ‘‘promessas de abundância aos dizimistas e a declaração de que Deus repreenderá o ‘‘devorador’’, o Diabo e os demônios da vida financeira dos fiéis, proporcionando-lhe prosperidade’’.
Além do anúncio de conforto material, os fiéis conseguem nos cultos promessas de curas físicas, de libertação de demônios e de resolução de problemas afetivos.
A liberalização dos usos e costumes é outro elemento característico do neopentecostalismo.
Roupas e hábitos como o fumo e a bebida deixam de ser proibições. ‘‘Deus não nos instituiu para impor costumes. O Espírito Santo é quem deve guiar as pessoas. As proibições atrapalham o crescimento da pessoa como cristã porque fanatizam e não dão liberdade em Jesus’’, justifica o bispo Carlos Rodrigues.
‘‘Minissaias tentam as pessoas e não devem ser adotadas, mas não proibimos. As fiéis devem assimilar os valores cristãos e ver que não devem usá-las’’, explica.
A liberalização neopentecostal chegou até mesmo à esfera da sexualidade. Questionada em 1994 pela Revista da Folha, se o sexo teria como função única a procriação, a bispa Sônia Hernandes, uma das líderes da Renascer em Cristo e apresentadora de um programa gospel, respondeu: “Pelo amor de Deus. É superprazeroso! É uma das coisas boas que Deus inventou para a gente’’.

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