São Paulo, domingo, 26 de dezembro de 1999




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Judaísmo busca nova
identidade para seus fiéis


CRESCIMENTO DA POPULAÇÃO NÃO-JUDIA EM ISRAEL PROVOCA DISCUSSÕES SOBRE ENTRAVES À ACEITAÇÃO DE NOVOS FIÉIS

PAULO DANIEL FARAH
da Redação

No judaísmo, uma das religiões que menos crescem, a principal discussão atualmente parece ser a definição da identidade de Israel.
Aumenta a preocupação, no país, com o número de imigrantes que não são judeus _mais de 50% neste ano. A conversão de não-judeus, para ser aceita, deve ser reconhecida pelo rabinato ortodoxo. Essa característica dificulta o acesso ao judaísmo dos que se identificam com a religião.
Judeu é todo indivíduo nascido de mãe judia, pela “halachá’’ (código de leis judaicas), ou aquele que abraçou o judaísmo. A Lei do Retorno estabelece que qualquer judeu tem o direito de se tornar cidadão israelense.
O privilégio ortodoxo também provocou uma crise nas relações entre Israel e a diáspora. A maioria dos judeus norte-americanos segue as correntes reformista e conservadora (movimento religioso que ocupa posição intermediária entre o judaísmo ortodoxo e o reformista). No 33º Congresso Sionista Mundial, realizado em Tel Aviv, em 1997, 107 dos 145 membros da delegação dos EUA pertenciam a essas correntes.
A população judaica dos EUA (cerca de 5,7 milhões) é maior que a israelense (4,8 milhões). No total, há aproximadamente 13 milhões de judeus no mundo.
Os judeus ortodoxos não chegam a 15% da população judaica, mas exercem grande influência sobre a comunidade. Principalmente em Israel, onde, além da conversão, controlam serviços como casamento e divórcio.
Muitos israelenses vão a Chipre para se casar, pois não há casamento civil no país e nem todos concordam com a concepção ortodoxa, mais estrita, de judaísmo.
“Estamos num estágio delicado em que nossos líderes religiosos reconhecem que alguns assuntos estão nos separando como povo, mas eles não querem fazer concessões. Ainda assim, precisamos tentar”, diz Michael Melchior, ministro para Assuntos da Diáspora. Melchior sugere que rabinos reformistas e conservadores realizem conversões, embora elas não sejam vistas como em concordância com a “halachá” atualmente.
Segundo ele, mais de 200 mil pessoas que foram da ex-União Soviética para Israel nos últimos anos não são judeus “por nenhum critério”, e o número está crescendo. Em 1999, a porcentagem de imigrantes que não professam o judaísmo chegou a cerca de 53%, e ela pode aumentar para 70% ou 80% no futuro, de acordo com a previsão de Melchior.
A Suprema Corte de Israel deve analisar, em abril, uma conversão feita por judeus conservadores. É provável que outras 50 conversões ministradas por reformistas e conservadores sejam debatidas.
Para o jornalista Joseph Algazy, do diário israelense “Haaretz”, “o establishment judeu ortodoxo conta com seu papel decisivo nos governos sucessivos para transformar em monopólio o estatuto privilegiado de que ele se beneficia em relação a outras correntes judias e outras religiões (muçulmana, druza e cristã) praticadas por cidadãos árabes em Israel”.

REAPROXIMAÇÃO DE CORRENTES DIVERGENTES
A reaproximação de ramos divergentes do judaísmo parece ser um dos principais desafios que seus líderes religiosos devem enfrentar no futuro.
A revista “Olam” (mundo, em hebraico), que define seu objetivo como “compartilhar a luz universal da Torá (livro sagrado judaico) e do judaísmo com o mundo inteiro”, publicou no jornal nova-iorquino “Jewish Week” (“Semana Judaica”) uma página inteira com o título/apelo “Ashkefardicultrarefoconservadox of the World, Unite!” (Ashkenazim, sefardic/ sefarditas, ultra-ortodoxos, reformistas e conservadores do mundo, unam-se!).
Ashkenazim são judeus de origem européia central ou oriental. Sefarditas, judeus de origem ibérica, que depois migraram, em sua maioria, para países árabes.
No texto, a publicação defende a unidade judaica. “Declare que a diversidade e a unidade não se excluem mutuamente. Sonhamos com o dia em que judeus de todos os tipos e de todas as cores darão ouvidos uns aos outros, quando finalmente derrubaremos os muros que nos separam e substituiremos a desconfiança mútua pelo respeito mútuo. A unidade é o mandamento indispensável.”
Na opinião de Nathan Lewin, advogado de Washington que trabalha com organizações judaicas ortodoxas e hassídicas, os religiosos ajudam a preservar o judaísmo e promovem um reavivamento em Israel, que se opõe à “hostilidade” dos EUA.
“Usar kipá (espécie de solidéu), não trabalhar num dia da semana e comer certos alimentos constituem uma prática estrangeira nos EUA, país hostil à religião. Se um professor não quiser trabalhar no Iom Kipur (dia do perdão, uma das festas mais importantes do judaísmo), não pode.”

RESISTÊNCIA À ASSIMILAÇÃO
Para Alan M. Dershowitz, autor do livro “The Vanishing American Jew” (“O Judeu Americano que Desaparece”), “os judeus não têm mais inimigos sérios e detratores para fortalecer seu caráter judaico. A religião judaica não é proselitista, e o candidato mais óbvio para um judaísmo afirmativo é a ortodoxia, que resiste à assimilação. Seus membros se casam com outros judeus, têm mais filhos e vivem segundo a ‘halachá’. Eles fazem um bom trabalho”.
Como exemplos de atuação positiva, Dershowitz cita sinagogas que oferecem aulas de leitura da Torá, cabala e cozinha kosher (comida em concordância com preceitos religiosos judaicos). “Esses esforços não reverteram a ampla tendência de assimilação, mas inspiraram muitos judeus a adotar vidas mais judaicas.”
“Dizer que o fato de não haver tanta discriminação pode provocar um relaxamento na observância das tradições é simplificar em excesso. Na verdade, muitos judeus abandonaram sua religião em tempos difíceis, embora isso não seja normalmente dito”, disse à Folha, em Nova York, o rabino norte-americano Avi Winokur.
“O desafio é conquistar e manter os fiéis nos tempos atuais, em que as pessoas vão a discotecas e não se preocupam muito com a religiosidade. A linguagem deve ser renovada. Os ortodoxos, por exemplo, têm mais dificuldade para se comunicar e poderiam aprender com os reformistas.”

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