São Paulo, domingo, 26 de dezembro de 1999




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Igreja confia a leigos missão de conter seitas

MOVIMENTOS CATÓLICOS, COMO O DA RENOVAÇÃO CARISMÁTICA, INTRODUZEM O ARDOR, A INFORMALIDADE E A EMOÇÃO DOS RITUAIS DOS EVANGÉLICOS PENTECOSTAIS

da Reportagem Local

Ameaçada em sua supremacia, a Igreja Católica vem encontrando nos leigos sua principal arma para tentar conter o avanço de seitas e de grupos evangélicos.
Estimulados pelo papa João Paulo 2º, os leigos fortaleceram movimentos como a Renovação Carismática, que colocaram no catolicismo o ardor, a informalidade e a emoção dos rituais dos evangélicos pentecostais.
Em sua prática, a Renovação Carismática se aproxima mais dos pentecostais do que dos católicos tradicionais. Em comum, existe a crença na manifestação contemporânea dos dons do Espírito Santo, entre os quais a cura, o exorcismo e a fala em línguas estranhas (glossolalia).
Para os católicos e protestantes tradicionais, a manifestação desses dons faz parte dos primórdios do cristianismo e não encontra espaço nos tempos de hoje.
O fato é que o apelo a esse aspecto mágico tem funcionado como instrumento de atração de fiéis. “Esses movimentos leigos é que estão trazendo de volta a grande maioria dos católicos afastados”, afirma o arcebispo de São Paulo, dom Cláudio Hummes.

MEGAEVENTOS SÃO FORMAS DE LOUVOR A DEUS
As celebrações carismáticas e pentecostais são barulhentas, permitem a expressão dos fiéis e adotam a música como uma das principais formas de louvor a Deus.
Os anos de 1998 e 1999 marcaram a entrada dos católicos no terreno dos megaeventos religiosos, já adotados pelos evangélicos pentecostais. Neles, a principal estrela foi o padre Marcelo Rossi.
A cúpula católica reconhece que a inspiração para os carismáticos veio das igrejas evangélicas pentecostais e neopentecostais _que incluem a Assembléia de Deus e a Universal do Reino de Deus.
“A Renovação Carismática começou com os pentecostais e depois passou para a Igreja Católica”, admite o presidente da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), dom Jayme Chemello.
Para o sociólogo Ricardo Mariano, autor do livro “Neopentecostais: Sociologia do Novo Pentecostalismo no Brasil”, os carismáticos são uma vertente pentecostal dentro da Igreja Católica.
Olhados com desconfiança pelos dirigentes no início, os carismáticos ganharam espaço e se firmaram como força fundamental na igreja. “Hoje, 80% do episcopado apóia o movimento, o que revela uma igreja viva, que tem respostas para os problemas do nosso tempo’’, diz dom Amaury Castanho, bispo de Jundiaí.

PROGRESSISTAS DEFENDEM INTEGRAÇÃO
As restrições aos carismáticos partem principalmente da ala progressista da Igreja Católica, que vê no movimento uma ausência de preocupação com questões sociais. ‘‘Acho que eles deveriam sempre acentuar o que Cristo disse, que a essência do cristianismo é o amor. E o amor que não é prático, que não ajuda e que não socorre não é autêntico. Hoje, se eles estão fazendo isso, não é aparente’’, diz dom Paulo Evaristo Arns, arcebispo emérito de São Paulo.
“A Renovação Carismática é a que mais tem força de conclamação de gente hoje”, reconhece o progressista dom Ivo Lorscheiter, bispo de Santa Maria (RS).
Em sua opinião, isso vai continuar no ano 2000, mas sob a seguinte condição: “Que os carismáticos se integrem sempre mais nas comunidades da igreja e incluam em suas atividades também o apostolado social”.
A Renovação Carismática é o maior dos movimentos leigos, com cerca de 70 milhões de seguidores em todo o mundo. No Brasil, as estimativas variam de 8 milhões a 12 milhões de adeptos.
Mas há cerca de outros 50 movimentos do gênero dentro da Igreja, com traços semelhantes aos dos carismáticos, entre eles Comunhão e Libertação, Focolares e Comunidade de Santo Egídio.
Em 98, representantes desses grupos se encontraram pela primeira vez com o papa João Paulo 2º, num evento que reuniu cerca de 200 mil pessoas no Vaticano.
Antes do encontro com o papa, os movimentos realizaram um congresso de três dias, no qual discutiram sua atuação.
Foi o quarto evento do gênero desde 81, mas o primeiro organizado com o apoio do Conselho Pontifício para os Leigos do Vaticano, o que indica o interesse do papa nesses movimentos.
Hummes acredita que esses grupos trouxeram para a Igreja uma forma renovada de celebração, mais identificada com o que ele chama de pós-modernismo.
Esse novo momento seria marcado pelo irracionalismo, em contraposição ao racionalismo do Iluminismo e da era moderna.
“Toda a questão de uma celebração que envolve mais o corpo, o coração, o sentimento, é muito pós-moderna. As pessoas não são mais racionalistas e intelectualistas como no Iluminismo”, diz.

NEOLIBERALISMO E RITOS CATÓLICOS
Pedro Ribeiro de Oliveira, sociólogo e professor da Universidade Católica de Brasília, relaciona a expansão dos carismáticos com a consolidação de um modelo econômico neoliberal.
Segundo ele, a Renovação Carismática tem um caráter individualista, em contraposição à pregação social das Comunidades Eclesiais de Base, que marcaram a atuação da Igreja até o início da década de 80, quando houve a redemocratização do país.
Oliveira atribui o crescimento desses movimentos à crise dos ritos católicos. “Esse ritualismo de ir à missa, confessar, receber a comunhão e ter a alma salva está em uma crise mortal”, afirma.
O grande desafio da Igreja é fazer com que as pessoas que comparecem aos megaeventos se integrem à vida católica. ‘‘Ninguém quer que as coisas terminem na praça, em meio a essas expressões tão bonitas de fé e de alegria. Queremos que isso seja o começo de um processo de inserção na vida da Igreja’’, diz Castanho. (CT e PZ)

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