São Paulo, domingo, 26 de dezembro de 1999




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Islâmicos tentam conviver
com o mundo globalizado


NOVAS TECNOLOGIAS EXPÕEM MUÇULMANOS À REALIDADE DA CULTURA OCIDENTAL, COM TEMAS REJEITADOS PELA CENSURA RELIGIOSA, QUE TENTA IMPEDIR A PRÁTICA DE JOGOS DE AZAR E A VEICULAÇÃO DE PORNOGRAFIA

da Redação

Alaaulama (globalização). O termo, recém-incorporado aos dicionários árabes, traduz não apenas a evolução da língua, mas também da temática em discussão nas sociedades islâmicas.
A Internet e programas de TV por satélite trouxeram novos debates para países islâmicos, que buscam adaptar-se à globalização. Nessa realidade, grande parte dos muçulmanos passou a ter acesso a temas rejeitados pela censura religiosa, como pornografia e jogos de azar.
Ao mesmo tempo em que Estados de maioria islâmica se modernizam, aumenta também a preocupação em preservar a cultura local e revitalizar as tradições.
No início do mês, os 55 países que integram a Organização da Conferência Islâmica (OCI) debateram a adoção de um “código ético” islâmico comum para imprensa escrita, rádio e televisão.
“Temos de nos adaptar, sem temor, à globalização das idéias e das informações se não quisermos vergar sob o peso do terceiro milênio cristão, que precisamos aceitar sem perder nossos próprios valores”, afirma o presidente do Irã, Mohamad Khatami, que vem defendendo um “diálogo entre civilizações”.
Eleito em 97, com 70% dos votos, principalmente de jovens e mulheres, Khatami é o principal nome da ala reformista iraniana.

AGÊNCIA INTERNACIONAL DE NOTÍCIAS ISLÂMICAS
A OCI vem debatendo, ainda, a criação de uma Agência Internacional de Notícias Islâmicas, que transmitiria uma programação baseada no ideário islâmico.
O islamismo é a religião que mais cresce no mundo e possui cerca de 1,3 bilhão de adeptos.
“A diversidade cultural das distintas sociedades e o imperativo de responder efetivamente às necessidades do atual sistema de comunicações ampliaram ainda mais a brecha existente entre o Terceiro Mundo e os países industrializados”, diz Khatami.
O uso da Internet no Oriente Médio dobrou no ano passado, de acordo com os organizadores de uma conferência sobre a rede realizada nos Emirados Árabes Unidos em fevereiro. A Internet parece despertar, em alguns governos, o temor de que seus usuários questionem mais intensamente a legitimidade dos regimes que os dirigem, muitas vezes no poder sem aprovação popular.
A preocupação com a rede não é exclusividade de países islâmicos. No último dia 9, o Vaticano disse que a Internet estava transformando a sociedade em ultraliberal. “Isso (a Internet) está estimulando o vício em drogas, a prostituição e a Aids”, disse o cardeal Pio Laghi, chefe da Congregação para a Educação Católica.
Na opinião do xeque Abdo Nasser el Khatib, 44, formado em sharia (lei baseada essencialmente no Alcorão e no registro das ações e dos dizeres do profeta Muhammad), na Universidade Islâmica de Medina (Arábia Saudita), a Internet é uma faca de dois gumes, pois pode tanto aproximar as pessoas quanto “promover sexo”, o que é “reprovável”, segundo ele (leia texto à pág. 15).
O movimento de imigrantes refugiados de países muçulmanos, após a Segunda Guerra, aliado à conversão de europeus e americanos ao islamismo, criou uma nova dinâmica nas relações entre o Islã e o Ocidente, que não é mais só de estranhamento.
Os muçulmanos passam a integrar, cada vez mais, as sociedades ocidentais. Na França, por exemplo, são mais de 5 milhões.
As interações religiosas atualmente possuem uma natureza distinta das tradicionais historicamente. As grandes religiões estão na maioria dos países, representadas por migrantes ou locais conversos. Suas crenças e seus textos sagrados estão disponíveis a virtualmente qualquer interessado.

REVANCHE DE DEUS DIANTE DO RACIONALISMO
A questão da “modernidade” não deve ser abordada a partir de uma ideologia ocidental que reduza a razão à pesquisa dos meios técnicos para a obtenção de poder ou riqueza, segundo o teórico Jamal Aldin Al Afghani (1836-1897). Para ele, a intenção do islamismo é “dar um objetivo a todas as ações num mundo que o racionalismo do Ocidente condena ao absurdo por sua religião de meios”.
Ao racionalismo, opôs-se a revitalização da fé, chamada por Gilles Kepel de “revanche de Deus”.
Kepel afirma que, a partir da década de 70, a tendência à secularização “passou a andar de marcha à ré. Formou-se um novo enfoque religioso, que visava não mais a se adaptar aos valores seculares, mas a recompor alicerces sagrados para a organização da sociedade, mudando ela própria se fosse preciso. Expresso numa variedade de formas, esse enfoque advogava o afastamento de um modernismo que tinha fracassado, atribuindo seus reveses e becos sem saída ao distanciamento de Deus”.
Um novo estilo de liderança emergiu nas duas últimas décadas, combinando atividade acadêmica com ação política em diversos países de maioria islâmica, como Sudão (Hassan al Turabi), Tunísia (Rashid al Ghanushi), Paquistão (Khurshid Ahmad e Miryam Jamilah) e Egito (Hassan Hanafi). “A religião é o motor do desenvolvimento”, diz Al Turabi.
De acordo com o imã Ibn al Qayyim, “o islamismo não pede que as pessoas abandonem o mundo (dunya) por causa da religião (din). Um homem sensato convida as pessoas a submeter-se a Deus simplesmente, e a resposta se torna fácil. O asceta convida os homens a abandonar o mundo, e a resposta passa a ser difícil”.
Parte dos muçulmanos defende uma participação política maior. “Os Estados modernos, muçulmanos no nome, embora não proclamem a separação entre mesquita e Estado, subvertem o islamismo como modo de vida, praticando uma forma de separação funcional entre religião e Estado, mais sinistra ainda”, dizem.
A Argélia é citada como exemplo de cerceamento a religiosos. Um golpe militar anulou, em 92, as eleições vencidas pela Frente Islâmica da Salvação. O partido foi colocado na ilegalidade. Desde então, o país vive uma guerra civil que já matou mais de 100 mil.
“Todos os muçulmanos que consideram a situação do mundo islâmico hoje em dia percebem que os não-muçulmanos lutam para estabelecer suas crenças, costumes, política e moral no mundo islâmico. Eles conseguiram fazer com que a nação islâmica os imite mais do que em qualquer época no passado”, afirma o pesquisador Nassir al Aql, autor de “Imitação dos Descrentes”. (PAULO DANIEL FARAH)

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