São Paulo, domingo, 26 de dezembro de 1999




Crença
Globalizada

Marketing
Religioso

Caminhos do
Fiel

Sincretismo
Brasileiro

Efervescência
Religiosa

Histórias de fé

Força Neopen-
tecostal

Movimento
Carismático

Novas Cruzadas

Dogmas em Discussão

Expansão Muçulmana

Nova Era
Galeria
HISTÓRIAS DE FÉ
Os deuses estão soltos | "Então, santo Antônio me falou..." | "Tenho anjos sobre meus ombros" | "Fazemos o filme que Deus já viu" | "Vá, Paulinho, pode ir que eu deixo" | "Um dia, Xangô virá, não sei se já, mas virá" | Galeria

Os deuses estão soltos

CINCO MORADORES DE SÃO PAULO, ADEPTOS DE DIFERENTES CRENÇAS, CONTAM DE QUE MODO SE RELACIONAM COM AS DIVINDADES E ONDE ENCONTRAM O SAGRADO NA CIDADE DO MATERIALISMO

ARMANDO ANTENORE
da Reportagem Local

Cida recolhe no dia-a-dia pequenos sinais do filho que já morreu. Marcos aguarda Xangô. Gino vê milagres de santo Antônio onde, à primeira vista, só há o prosaico. Jihad sabe que dois anjos o acompanham. Luiz não acredita em coincidências. “Coincidência é quando Deus faz algo, mas não deseja aparecer.”
Cinco moradores de São Paulo, adeptos de diferentes religiões, conversaram com a Folha sobre suas crenças. Das conversas, acabou brotando um mundo que parece correr na contramão de tudo aquilo que costuma simbolizar a maior cidade do país.
Se o imaginário brasileiro associa São Paulo às coisas terrenas _dinheiro, trabalho, avanço científico e tecnológico_, os relatos destas duas páginas demonstram que, mesmo sob a força do materialismo, a relação mística com a realidade persiste.
É como se houvesse uma outra metrópole, invisível e habitada por incontáveis seres metafísicos: orixás, anjos, mortos, gênios, santos, Deus. Uma cidade sagrada, etérea, que, no entanto, dialoga com a cidade concreta de um modo quase trivial, sem cerimônias. Os habitantes daqui invocam os de lá permanentemente, estejam ou não participando de cultos religiosos, e o fazem para tratar menos de questões do espírito e mais de problemas corriqueiros.
“O misticismo é, ainda hoje e em qualquer cultura, o meio pelo qual os homens travam contato com elementos que transcendem a realidade material e que a orientam”, afirma o antropólogo José Guilherme Cantor Magnani, autor de “Mística Urbe”. O livro, recém-lançado, analisa as práticas “neo-esotéricas” em São Paulo.
“Vivemos o cotidiano de maneira descontínua”, prossegue Ma- gnani. “Ora provamos a alegria, ora enfrentamos a tristeza, numa sucessão de acontecimentos que nem sempre têm sentido. A experiência mística nos traz justamente a sensação de totalidade, uma vez que se propõe a explicar, a estabelecer elos entre os fatos que a realidade dispersou.”
A fome de compreensão alimenta a fé, e a fé norteia condutas. Em nome de Deus (ou dos deuses), todos os cinco protagonistas desta reportagem defendem modelos de comportamento solidário.
Todos exibem, igualmente, uma noção pouco ortodoxa do sagrado. Concebem divindades muito próprias, com características que, às vezes, não equivalem às disseminadas pelos cânones oficiais.
Mostram, assim, que a fé também precisa da imaginação. Como diz uma das personagens de “Santo Forte”, o premiado documentário de Eduardo Coutinho, “os espíritos estão em toda parte. Basta ter vidência para ver”.

Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.