Morre aos 97 Manoel de Barros, poeta das grandezas do ínfimo
Mato-grossense vinculado ao Pantanal vivia em Campo Grande e teve falência múltipla dos órgãos
Autores destacam obra marcada pela recriação do idioma e pela integração entre literatura e natureza
Autor que fazia versos a partir das "grandezas do ínfimo", como estampam um poema e um livro seus, morreu na manhã desta quinta (13), aos 97 anos, em Campo Grande (MS), o poeta mato-grossense Manoel de Barros.
Ele estava internado havia mais de uma semana na UTI e passara por uma cirurgia de desobstrução do intestino. Segundo o hospital, morreu por falência de múltiplos órgãos.
O corpo do poeta começou a ser velado na tarde de ontem no cemitério Parque das Primaveras, em Campo Grande. O enterro está marcado para as 8h de sexta-feira (14), no mesmo local.
Nascido em 1916 em Cuiabá, Manoel de Barros escreveu 18 livros de poesia, além de obras infantis e relatos autobiográficos. Recebeu diversos prêmios literários, entre os quais dois Jabutis --em 1989, com "O Guardador de Águas", e em 2002, com "O Fazedor do Amanhecer".
Barros dizia que "poesia não é para compreender, é para incorporar. Entender é parede. Procure ser uma árvore".
Poetas no Brasil e no exterior destacaram o valor da obra do mato-grossense. "Não era apenas um poeta, um recriador de um idioma que, depois dele, se tornou mais nosso. Manoel de Barros era um filósofo que pensava e repensava o mundo por via da poesia", disse o moçambicano Mia Couto.
Para Eucanaã Ferraz, Barros "já surgiu como um clássico, um sábio". "Deve se somar a isso o fato de que ele era um poeta muito integrado à natureza, que é um valor raro na poesia atual."
Armando Freitas Filho observou que Barros "começou como um poeta formal, clássico, com uma poesia de dicção nobre, até chegar a uma poesia singular". "Acho que a virada se deu com dois livros, Gramática Expositiva do Chão', de 1966, e Arranjos para Assobio', de 1980. É como se ele tivesse feito uma visita secreta à Guimarães Rosa, pegado rascunhos e composto poemas singulares."
ESTREIA
Quase meio século separou a estreia de Barros na literatura --em 1937, com "Poemas Concebidos Sem Pecado" em tiragem artesanal de 21 exemplares-- da circulação mais ampla de sua obra, na segunda metade dos anos 1980, graças à divulgação por admiradores como Millôr Fernandes e Antonio Houaiss, para quem era comparável a São Francisco de Assis "na humildade diante das coisas".
Pelo menos dois trabalhos no cinema foram dedicados ao poeta e sua obra: o documentário "Só Dez por Cento É Mentira" (2008), de Pedro Cezar, cujo título vem de uma das melhores tiradas de Barros ("Noventa por cento do que escrevo é invenção; só dez por cento é mentira"), e o curta "Caramujo-Flor" (1988), de Joel Pizzini.
Mesmo depois de consagrado tardiamente como um dos grandes poetas brasileiros de sua geração, ele permaneceu fiel às origens rurais. Viveu em Corumbá (MS), Rio de Janeiro, Nova York. Sempre que podia retornava à região do Pantanal, onde seu pai fundou uma fazenda.
Manoel de Barros morava em Campo Grande desde o final dos anos 70, com a mulher, Stella, e a filha, Martha. Seus dois filhos homens, João Wenceslau e Pedro, morreram em 2007 e 2013, respectivamente.
Barros levava uma vida reclusa na capital sul-mato-grossense. Mantinha a rotina de acordar cedo, tomar café e ir ao escritório escrever ou ler. À tarde costumava dedicar o tempo à família.
A "mania" de escrever "coisas desimportantes", como dizia, foi interrompida em setembro deste ano, quando a saúde ficou debilitada.
Autor muito popular, teve 86 mil livros vendidos desde 2010, segundo a Leya, editora que o publicava desde aquele ano.
Há duas semanas, a Alfaguara anunciou a aquisição de toda a obra do poeta e o início da reedição para o segundo semestre de 2015, mas, ontem, informou que antecipará os primeiros livros para o fim deste ano ou começo do ano que vem, começando com "O Livro das Ignorãças" (1993), "Livro Sobre Nada" (1996) e "Poemas Rupestres" (2004).