Crítica Solo
'A Geladeira' dá frescor à estética gay e ao espírito de desbunde dos anos 1980
Depois de passar por uma mostra gay, "A Geladeira" (1982), com texto do argentino Copi (1939-1987), prossegue dando pinta no Centro Cultural São Paulo.
A montagem de Nelson Baskerville tem solo caricato de Fernando Fecchio no papel de um gay escandaloso e solitário. Direto dos anos 1980.
Terminada a peça, nada parece mais fundamental do que retomar a sobriedade estética de uma década marcada pelo bigode do Freddie Mercury.
A cultura daquele período embutia esse despojamento que a peça "A Geladeira" conservou. Era uma das correntes da época: no Brasil e na Argentina, comemorava-se com o desbunde o fim de regimes autoritários e da censura.
Na celebração de um país que era mais livre ao menos para as artes, Gerald Thomas digeriu o repertório erudito com suco gástrico do grotesco pós-Beckett, por exemplo.
NAFTALINA
Ao retomar com convicção esse espírito, "A Geladeira" corria o risco de cheirar naftalina. Mas nem mesmo o equívoco da trilha sonora "playback-drama-queen" barrou o frescor de novos ares.
O texto é sobre um homossexual que ganha uma geladeira. Junto, aparecem um bandido, uma psicóloga-pastora. Por fim, surge um rato, com quem ele vai ter um romance.
Levantar bandeira gay no palco parece hoje meio cadavérico, mas Baskerville e Fecchio transformam engajamento em um pretexto para a arte.
Tão sofisticado quanto Ramones com suas músicas de três acordes, o espetáculo acaba sendo um manifesto para que polainas não sejam jogadas fora junto com a água suja da banheira. (GF)
A GELADEIRA
QUANDO sexta e sábado, às 21h; domindo, às 20h; até 14/12
ONDE Centro Cultural São Paulo, r. Vergueiro, 1.000, tel. (11) 3397-4002
QUANTO grátis
CLASSIFICAÇÃO 14 anos
AVALIAÇÃO bom