Mônica Bergamo
A vida é uma opera
O brasileiro Paulo Szot, estrela do Metropolitan de Nova York, foi ameaçado de morte por encenar espetáculo acusado de ser antissemita
Em sua bem-sucedida carreira de cantor lírico no exterior, o brasileiro Paulo Szot, 45, que já se apresentou para o presidente Barack Obama e estrelas como Tom Cruise e Meryl Streep, soltou a voz para espectadores inéditos, no fim de novembro: censores.
O barítono radicado em Nova York, que nasceu em Ribeirão Pires (SP) em uma família de imigrantes poloneses, está no Bahrein, pequeno reino do Golfo Pérsico, para duas récitas de "As Bodas de Figaro", ópera-bufa de Wolfgang Amadeus Mozart (1756-91), a última delas hoje.
De Manama, a capital do país, o ganhador do prêmio Tony, o Oscar dos musicais, contou à repórter Eliane Trindade, por telefone, que viveu em meio a uma "certa tensão" nos 20 dias em que esteve ensaiando por lá. "Estamos numa monarquia e em um país islâmico para encenar um texto que satiriza a nobreza e fala de sexo, traição e desejo", explica o brasileiro, estrela do Metropolitan, palco maior de ópera nos EUA, e que brilhou também na Broadway.
Szot explica que uma comissão do Ministério da Cultura do Bahrein, com a presença da própria ministra, avaliou previamente o espetáculo. "Eles pediram para mudar o que consideraram ofensivo à cultura local", relata ele, após a sessão privê.
Um dos alvos foi o figurino: os decotes subiram e o comprimento das saias abaixou. "Vamos fazer apresentações aqui como se fosse para criança", diz o brasileiro. A orientação do diretor é para o elenco "aliviar" nas cenas de conteúdo sensual.
Antes de encarar a versão "light" de uma das obras-primas de Mozart, Szot viveu momentos de tensão ainda maiores na polêmica temporada de "The Death of Klinghoffer", do compositor norte-americano John Adams, em Nova York.
A montagem, que ficou no Metropolitan de 20 de outubro a 15 de novembro, foi acusada de ser antissemita. A ópera tem como pano de fundo o conflito Israel-Palestina, a partir de um fato real: a morte do judeu americano Leon Klinghoffer, um cadeirante jogado ao mar durante o sequestro do navio Aquille Lauro, em 1985, numa ação da Frente para Libertação da Palestina.
"Infelizmente, a comunidade judaica não entendeu o intuito da ópera. De modo nenhum se apoia o terrorismo", defende-se o brasileiro, que precisou de proteção policial após ameaças de morte. As intimidações começaram nas redes sociais, um mês e meio antes da estreia. "Ficamos espantados com as reações. Será que não entendemos algo no roteiro?", perguntava-se Szot, que faz o papel do capitão do navio de bandeira italiana, palco do ato terrorista.
A principal acusação foi a de que o espetáculo humanizou a figura dos terroristas. As filhas do passageiro morto, Lisa e Ilsa Klinghoffer, registraram o mal-estar da família no próprio programa da montagem, numa tentativa dos produtores de aplacar as críticas. "A justaposição entre as reivindicações do povo palestino com o assassinato a sangue frio de um judeu americano inocente é ingênua e chocante do ponto de vista histórico", escreveram.
A produção estreou sob protestos e com faixas de "Tenores e terroristas não se misturam" na frente do Metropolitan. A ira era em relação a trechos como o do segundo ato, no qual um terrorista declara: "Onde há homens pobres, há judeus engordando".
Em meio ao nervosismo da estreia, Szot foi surpreendido por um e-mail com a ameaça de que, se subisse ao palco, "seria considerado terrorista também". A polícia descobriu se tratar de um maníaco. "Saber que tem um louco ameaçando te matar não é o tipo de notícia que se quer receber horas antes da estreia", recorda-se o brasileiro, que passou a entrar no teatro por um porta secreta e ser escoltado por policiais.
"O problema desse tipo de situação é que não se sabe até que ponto é verdade. Com tantos malucos no mundo e o tema terrorismo no meio foi um período estressante", continua Szot, que circulava de boné e evitava locais públicos. As críticas atiçaram a curiosidade dos espectadores, que lotaram as oito récitas.
Um dia após a última apresentação, o cantor embarcava para o Oriente Médio. "Saí de um fundamentalismo para cair em outro", brinca ele, sobre a adaptação a um país muçulmano. De lá, nesta semana, ele segue para Porto Rico, onde vai apresentar em um resort um show só com hits de musicais da Broadway, onde estreou em 2008 como galã em "South Pacifc".
"Fiz uma audição com 200 candidatos e aceitei o convite para algo inédito na minha carreira", relata, sobre o papel lhe valeu o prêmio Tony de melhor ator de musicais. Entrava assim em outro circuito, de fazer oito shows por semana ganhando bem mais. "Broadway é business puro. Os espetáculos são feitos para ganhar dinheiro e muito dinheiro", afirma Szot. Seu cachê aumentou dez vezes naquele período. "O lado bom é o reconhecimento. Mas a cobrança também aumenta."
Tornou-se pop nos EUA, para onde se mudou em 2001 para tentar a sorte como cantor de ópera. O primeiro contrato veio em 2003, com o New York City Opera, ganhando US$ 3.000 por récita.
Filho de um casal de imigrantes poloneses que fugiram do nazismo, Szot encarnou uma ópera na vida real, com doses de drama e superação até o sucesso. Aos 18 anos, o caçula de cinco filhos ganhou uma bolsa para estudar balé na Polônia. "Foi uma viagem de 23 dias em um navio cargueiro. Não tinha dinheiro para ir de outro modo." Mas o sonho de ser bailarino foi atropelado por uma lesão grave no joelho.
Dois dias após o diagnóstico, ele fazia um teste de voz e foi selecionado para a companhia estatal de músicas folclóricas da Polônia, que ele escutava nos discos que alegravam a família no interior de São Paulo. Estava lançada a sorte para o futuro cantor, que, neste ano, percorreu quatro continentes (América, África, Oceania e Europa) com espetáculos líricos e shows nos quais mescla sucessos das músicas populares brasileira e americana.
Apresentações em que foi aplaudido por Plácido Domingo e Pedro Almodóvar, dois de seus ídolos. "É bacana conhecer pessoas que sempre admirei, mas não me deslumbro. No dia seguinte tem outro espetáculo", diz. "Também não trato o sucesso com desdém. São momentos de glamour, não uma vida glamourosa."
Após um ano tão vibrante, ele quer sossego no sítio que mantém em Ribeirão Pires. "É o meu refúgio para repor as energias em contato com a natureza." Programa duas semanas de férias em janeiro curtindo os cachorros e se esbaldando nos pés de frutas nativas. Sem se preocupar nem com a balança. "Minha silhueta hoje é de cantor lírico, não de bailarino", diverte-se, do alto de seu 1,86 m, sem quantificar os quilos extras que o fazem evitar o espelho. "Mas é bom ter reserva de gordura para cantar ópera por quatro horas."