É a história de um deslocado social, afirma roteirista
O matemático inglês Alan Turing (1912-54) era abertamente gay diante dos amigos e não tinha pudores em fazer avanços --em geral malsucedidos-- sobre outros homens. Também era afável e, ainda que tímido e excêntrico, tinha seus momentos de piadista, segundo sua principal biografia, "Alan Turing: The Enigma", de Andrew Hodges.
"O Jogo da Imitação", filme que estreia nesta quinta (5), passa por cima desses detalhes para contar a história do cientista que decifrou códigos militares usados pelos nazistas e ajudou os Aliados a vencer a Segunda Guerra. Na tela, Turing (Benedict Cumberbatch) é retratado de forma bem mais pudica e agindo de maneira absolutamente apática, alheio a todos ao redor.
"Não pretendemos ser a última palavra sobre ele, apenas a primeira", diz à Folha o roteirista e produtor-executivo do longa, o americano Graham Moore, indicado ao Oscar por roteiro adaptado --uma das oito estatuetas a que "O Jogo da Imitação" concorre, incluindo melhor filme.
Fã de Turing desde a época em que era "um adolescente estranhão e sem muitos amigos", Moore, 33, conta que escreveu a primeira cena do roteiro após "algumas doses de uísque" numa viagem de avião. "É a história de alguém que nunca se encaixou socialmente e por isso via o mundo de forma diferente e pôde conquistar o que conquistou."
Em 2011, o roteiro, o primeiro escrito por Moore, encabeçou a lista do site "The Black List", que reúne scripts ainda não rodados.
MANIFESTO OU EQUÍVOCO?
A maior parte da trama, com clima de filme de espionagem, envolve Turing e sua equipe tentando desvendar o Enigma, o tal dispositivo alemão que enviava mensagens em código para coordenar os ataques militares aos Aliados.
Fora um frustrado amor na infância e a menção a um amante de 19 anos que nunca aparece em cena com o protagonista, o filme ignora sua vida afetiva e prefere centrar fogo na relação platônica entre Turing e sua assistente, interpretada por Keira Knightley.
Em janeiro, Andrew Hodges, autor do livro que embasou o roteiro, disse à Folha que o filme pecava por não dar o devido peso à vida sexual do matemático, que se submeteu a uma castração química após ser condenado pelas leis "anti-indecência" da Inglaterra dos anos 50.
Apesar da omissão, a organização Human Rights Campaign abraçou o filme como uma espécie de manifesto gay, publicando anúncios de página inteira nos jornais "The New York Times" e "Los Angeles Times" pedindo aos membros da Academia para votar em "O Jogo da Imitação" para o Oscar.
"A campanha é fantástica, mas não há filme mais equivocado em que se apoiar", escreveu Tim Teeman, editor de cultura do site "The Daily Beast". "Não há nenhuma fagulha sequer de desejo gay nas telas."
Graham Moore se defende: "Tudo indica que ele era celibatário, mas não por opção, e sim porque ser gay era ilegal. Ainda assim, sua mente era muito lógica, matemática: ele não conseguia conceber nada de errado nessa orientação."