Crítica teatro/drama
'Hora Amarela' é ficção superficial e contrária aos clássicos distópicos
Sob direção de Monique Gardenberg, peça se passa em uma Nova York invadida e repleta de escombros
Adam Rapp, o autor americano de "Hora Amarela", se diz influenciado pela inglesa Sarah Kane (1971-99). De fato, como é comum em suas peças, distinguem-se pastiches de "4.48", como a tal "hora" em que é possível andar com liberdade, e sobretudo "Blasted", também num quarto invadido por um mundo distópico --no caso de Kane, um eco do massacre de muçulmanos por cristãos na guerra da Bósnia (1992-95).
Mas "Hora Amarela" quer no fundo ser o oposto "politicamente incorreto" da célebre dramaturgia inglesa "in-yer-face", de realismo "na sua cara": a distopia de Rapp é uma Nova York branca, "downtown", invadida por opressores vagamente muçulmanos, entre outras provocações menores e risíveis.
Por exemplo, a compra de um negro de 14 anos para servir em mais de uma maneira à branca solitária que perdeu o marido. Ou os stripteases das mulheres no meio dos escombros, entre eles uma banheira de uso recorrente.
Com texto assim nas mãos, "masculino", não havia muito o que a diretora Monique Gardenberg, a cenógrafa Daniela Thomas e atrizes como Deborah Evelyn pudessem fazer --embora tenham tentado, com alterações na trama, ocultação parcial da banheira e interpretação quase maternal para a protagonista.
Em particular, pode-se tentar ver um alívio à experiência de "Hora Amarela" na cenografia inventiva, que fecha o quarto num ambiente suspenso e sufocante. Mas é preciso dizer, em algum momento, que não é de hoje que as criações de Thomas combinam com textos reacionários.
Melhor seria abraçar de vez a distopia para jovens adultos, "YA dystopia", gênero em que Rapp se insere nesta peça e em algumas novelas. Grande sucesso em vendas, é o gênero adolescente que gerou blockbusters como "Divergente" e "Jogos Vorazes".
É ficção científica superficial e alienante, muito distante --e na verdade o oposto-- de Philip K. Dick, Yevgeny Zamyatin e outros clássicos distópicos. Em vez de questionar alegoricamente a realidade e seus desdobramentos, como fazia Dick em "Do Androids Dream of Electric Sheep?" (1968), apenas reforça a aceitação do presente.
É esse o universo "politicamente incorreto" de Rapp, abertamente conservador --e, em sua forma, um desfiar de diálogos mecânicos.