Crítica literatura/romance
Obra constrói quebra-cabeça com o uso de monólogo interior do protagonista
"O Livro da Gramática Interior", de David Grossman, trata da não transmissão da história familiar aos descendentes, responsável por um desequilíbrio que acaba por afetar a educação dos filhos.
O romance se passa nos anos 1960, às vésperas da Guerra dos Seis Dias, um tempo em que judeus oriundos de diversos países buscam se adaptar a uma nova realidade cultural e política em Israel, país criado em 1948.
O protagonista, Aharon Kleinfeld, faz parte da primeira geração de nascidos em Israel. Nos primeiros capítulos, aos 11 anos, ele ainda parece relativamente normal. A partir daí para de crescer, o que causa a ira da mãe, dominadora, que controla a família.
Aos poucos, fragmentos do passado de Moshe, o pai de Aharon, e Lili, a avó, começam a emergir. Ambos falavam iídiche, enquanto a mãe dominava o hebraico.
O conflito linguístico tem dimensão nacional, já que os líderes de Israel optaram pelo hebraico em detrimento do iídiche, falado pelos judeus da Europa Central e Oriental. Da interdição da língua decorrem a desqualificação e a negação do passado.
Além do caráter político evidente no romance, já que Aharon mostra-se contrário a tudo o que acontece à sua volta, há também uma dimensão psicanalítica para o fato de o garoto não crescer.
A dificuldade em enfrentar a adolescência, que implica a descoberta da sexualidade e a aceitação do mundo adulto, não é nova: "Peter Pan", de J. M. Barrie, e Oskar, de "O Tambor", de Günter Grass, são também meninos que se recusam a crescer. O que há de original é o uso do monólogo interior, já que a maior parte das intrigas passa pela consciência de Aharon.
David Grossman consegue assim criar um romance em que os acontecimentos são filtrados por um personagem desequilibrado e autocentrado. Cabe ao leitor montar o quebra-cabeça desse livro escrito segundo os códigos da gramática interior de Aharon.