Tito Madi volta a lançar disco após 14 anos
Mestre do samba-canção e precursor da bossa nova compõe CD em parceria com o pianista Gilson Peranzzetta
Álbum foi gravado há 9 anos, antes de o cantor sofrer um acidente vascular cerebral que prejudicou sua voz
Uma vez mais, Tito Madi. Depois de uma década e meia sem novos álbuns, o mestre do samba-canção regressa com o CD "Quero te Dizer que Eu Amo", gravado há nove anos. Desde 2007, Madi, 85, se recupera das sequelas de um AVC (acidente vascular cerebral), esforçando-se para voltar a cantar.
Outra peleja antecede os reveses da saúde. Referência do canto de João Gilberto, Roberto Carlos e Wilson Simonal, o artista sente-se esquecido pelas rádios e pelo mercado fonográfico. "Sei lá, isso é coisa de brasileiro", lamenta Madi, algo resignado, em entrevista à Folha, em seu apartamento no Rio.
Entre as décadas de 50 e 80, o cantor esteve presente nos catálogos de Continental, Columbia, Odeon e RCA. "Não tenho mais relação nenhuma com as gravadoras, a não ser quando adquiro uma quantidade de discos."
Em parceria com o maestro e pianista Gilson Peranzzetta, 68, o álbum foi gravado antes do acidente vascular de Madi e tardou a ser lançado em razão de imperfeições nas primeiras mixagens.
"Foi uma luta chegar a esse som. Tive que mixar em dois canais, mas deu para salvar legal. Ficou com um timbre bonito", festeja Peranzzetta.
O estúdio Araras, em Petrópolis, não cobrou pelo uso, comportamento idêntico ao dos músicos. A equipe reúne Mauro Senise (sax/flauta), Chiquito Braga (violão/guitarra), Paulo Russo (contrabaixo acústico) e João Cortez (bateria/percussão).
Oito das 14 canções são da autoria de Madi, cinco de Peranzzetta (com parceiros como Paulo César Pinheiro e Nelson Wellington) e uma delas de Chiquito Braga e Ana Maria, "Amanhecer".
"Considero Gilson o maior pianista do Brasil. É do mesmo nível do grande pianista que eu tive, Luizinho Eça, com quem gravei a série 'A Fossa' (nos anos 70)", diz Madi.
"Quero te Dizer que Eu Amo" reafirma o canto maduro e acrescenta ao cancioneiro as belas "Flor de mim", "Indiferença" e a faixa-título, sua favorita ("Quero te contar/ Que eu chamo/ Te chamo/ E por que/ Não vens?").
Sobra uma melancolia: o disco pode tornar-se o último registro vocal de Madi. "Tenho que estar com a voz tranquila, no diapasão normal. Ela talvez tenha ficado mais grave, não atinjo mais aqueles agudos que eu tinha facilidade [de atingir]", admite.
TRANSIÇÃO
Paulista descendente de libaneses, Chauki Maddi renasceu artisticamente como Tito Madi e radicou-se no Rio em 1954. Um dos precursores da bossa nova, seus shows eram uma cátedra do canto moderno, com repertório romântico sem apelos patéticos.
"Eles todos me ouviam e tinham em mim talvez uma inspiração. Acabo acreditando que posso ter ajudado mesmo na criação do movimento", avalia Madi, contemporâneo de Dolores Duran e Maysa.
"Fico revoltada com a injustiça de Tito não estar na mídia. Se Frank Sinatra morasse no Brasil, teria que alugar um quartinho em Caxias para sobreviver", critica a cantora Doris Monteiro, uma das estrelas dos anos 50.
"Se, nos últimos anos, tivemos muito menos Tito Madi do que merecíamos, culpe o mercado, o sistema, a conjuntura. Os tempos não estão propícios à sensibilidade", analisa o escritor e colunista da Folha Ruy Castro, no encarte do disco.
O artista acredita que será lembrado por "Não Diga Não", "Cansei de Ilusões", "Chove Lá Fora" e a bossa-novista "Balanço Zona Sul".
"Como compositor, Dorival Caymmi era a minha influência. Lúcio Alves e Dick Farney, como cantor", diz Madi, que calcula ter mais de 300 canções gravadas por ele próprio e outros intérpretes. Resta um acervo de 15 inéditas.
Sua canção mais conhecida, "Chove Lá Fora" foi interpretada pelas maiores vozes, de Agostinho dos Santos a Milton Nascimento, e pelo grupo americano The Platters.
O tom angustiado da música, diz, não tem afinidade com o espírito no momento da criação. "Fazia um calor imenso. Eu passava as férias numa fazenda em minha cidade, Pirajuí (SP). Lá tinha um lago, um barco, e tinha uma árvore imensa caída no lago... Aí subi no barco --estava com um violão--, entrei embaixo dos galhos da árvore, uma sombra muito prazerosa, e compus ali. Não tinha chuva nenhuma", revela.
PROMESSA DO REI
Discípulo confesso de Tito Madi, Roberto Carlos prometeu gravar um disco com as composições do ídolo, mas interrompeu o diálogo sem justificativas. Na entrega do 17º Prêmio Shell de Música a Roberto e Erasmo Carlos, em 1997, Madi ouviu afagos.
O cantor lembra o encontro no camarim: "Disse a ele [Roberto]: 'Você gravou um disco em espanhol, poderia ter gravado 'Chove Lá Fora', pois existe a versão de um argentino'. Ele balançou a cabeça: 'Não, quero gravar um disco com a condição de você participar'".
"Roberto criou nele uma expectativa. Dedicou o show, trocou telefonemas e mandou um motorista pegar as músicas escolhidas", narra Francisco Bonadio, grande amigo de Madi.
"Fiquei triste porque seria maravilhoso, para mim e para ele também, porque mudaria um pouquinho o estilo de compor e de cantar", opina o quase homenageado.
Alegando problemas de agenda, Roberto não respondeu as perguntas da Folha.