Ancine considera série da HBO pornô e veta verba
Primeira temporada de 'Mulher Arte' usou R$ 755 mil de recursos públicos
Produtora e canal dizem que atração sobre garotas desenhadas por artista é erótica, mas não possui conteúdo pornográfico
A Ancine (Agência Nacional do Cinema) cancelou a liberação de recursos para a produção da segunda temporada da série "Mulher Arte", do canal pago HBO, por considerá-la pornográfica.
Na primeira temporada, o programa da produtora Santa Rita Filmes utilizou R$ 755 mil de recursos públicos captados a partir de uma medida provisória publicada em 2001. Para o segundo ano da série, o órgão vetou a liberação de cerca de R$ 1 milhão.
Em palestra no evento Rio Content Market, em 27 de fevereiro, o presidente da agência, Manoel Rangel, usou a série como exemplo para explicar a análise demorada de processos pela Ancine.
"Aprovamos uma série de TV sobre arte que parecia super interessante no papel. Quando foi para o segundo ano, fomos ver o conteúdo e descobrimos que era um pornô soft", relatou Rangel.
"Será mesmo que o executivo do canal não sabia que não pode usar dinheiro público para fazer pornô? E o produtor? Evidente que não aprovamos a segunda temporada. Mas isso é um exemplo de situação constrangedora."
Segundo a Ancine, a sinopse da primeira temporada apresentava a obra como uma "série documental que mistura arte, paisagens brasileiras, seu povo, hábitos e crenças sob o olhar multifocal de um artista plástico que percorre o país em busca de um caminho para que se possa descobrir a beleza da mulher brasileira".
Segundo nota da Ancine, "em um episódio de 30 minutos, percebem-se 28 minutos dedicados a cenas de nudez (total ou parcial) e apenas dois minutos de introdução com texto sobre a cultura local e imagens da cidade retratada".
A série mostra cenas das cidades onde foram filmados os episódios e mulheres nuas ou de calcinha desenhadas pelo artista plástico Pedro Henrique Moutinho. Enquanto trabalha, ele faz perguntas sobre sexo e beleza para as participantes.
Em nota, a HBO afirma entender que os fundos da Ancine não devem ser usados para produção de pornografia, mas que "nunca ficou determinado que 'Mulher Arte' seja conteúdo pornográfico".
Segundo a produtora Santa Rita, o projeto da nova temporada foi autorizado a captar recursos e só depois vetado. A lei de fomento não descreve veto a produções pornográficas, porém a agência, em nota, afirma dispor de competência legal para estabelecer critérios para a aplicação de recursos.
"Mesmo não concordando, a produtora decidiu acatar esta decisão, em acordo com a HBO. Mas quando o assunto é mencionado publicamente, tenho a dizer: associar a série ao turismo sexual é um desrespeito a todas as mulheres e participantes e a nós produtores", diz Marcelo Braga.
"'Mulher Arte' é uma série documental e pode-se dizer erótica. Nada além disso. Cumpre com todas as exigências legais", afirma Braga.
A dona de uma agência de turismo Jacqueline Brito, que participou de um dos episódios, diz ter ficado perplexa com o rótulo da Ancine.
"Para mim pornografia é quando há contato com outra pessoa. Se fosse isso eu não teria participado", diz Jacqueline. "Tem partes mais eróticas, mas não vejo de jeito nenhum como um programa pornográfico. Minha imagem fica vinculada a isso."