Análise
Último de uma estirpe, ele foi espécie de consciência alemã
Günter Grass foi o último de uma estirpe, espécie de consciência da nação, que já não era mais ouvida como gostaria, mas continuava berrando.
Na Alemanha, será difícil preencher seu lugar. No Brasil, esse lugar está vago há décadas, o que depõe acerca da importância que a literatura consegue alcançar no devir político de ambas as nações.
"O Tambor" (1959), princípio e centro da obra de Grass, é um dos grandes romances do século 20. Não por acaso, aliás, as lembranças do autor, ao revelar que serviu à SS na autobiografia "Nas Peles da Cebola" (2006), terminam justamente no ano em que "O Tambor" foi publicado.
O autor que levantou poeira com sua confissão (ele sempre disse que foi apenas soldado antiaéreo antes de ser preso em 1945) causaria novo escândalo em 2012, no poema "O Que Precisa Ser Dito".
A crítica a Israel, por supostamente planejar um ataque preventivo que aniquilaria o Irã, chamuscava a Alemanha, por enviar submarinos ao país. Não foi perdoada, apesar da contínua atualidade; ou devido a ela. Grass tinha direito, com seu passado?
Embora jamais tenha voltado a brilhar com a intensidade de "O Tambor", em uma obra às vezes retórica como "Descascando a Cebola" ainda há passagens sublimes.
Numa delas, um cozinheiro bessarábio dá aulas de culinária aos prisioneiros de guerra e destrincha porcos inteiros para depois fazer deles os pratos mais complexos. E isso sem talheres, sem nada, nem sequer animal à mão, apenas com o ar e seus gestos. Tudo para enganar a fome.
Grass foi também pintor, escultor e gráfico. Sua imagem de velho casmurro, usando paletós de veludo em subtons de marrom e abóbora, eternamente com o cachimbo na boca, fará parte do imaginário.
Eu, que o conheci pessoalmente, sei que sua combatividade encarniçada também era capaz de demonstrar afeto; mas com verve.