Crítica Teatro
Ao evocar a morte, Maria Alice propõe ode ao agora
Atriz vive na peça 'Why the Horse?' a impotência mítica diante da finitude
Ao encenar o próprio velório em "Why the Horse?", Maria Alice Vergueiro propõe-nos retornar à expressão "memento mori" (em latim, "lembre-se de que vai morrer"): velha obsessão de artistas, compreender a finitude da vida traria vigor ao desejo de permanecer eternamente presente.
Cercada por lápides onde são lidos os nomes de Tchékhov, Kafka, Beckett e tantos outros autores mortos, Maria Alice interpreta e vive a impotência mítica do homem diante do tempo que passa.
Quem conhece a trajetória da atriz sabe que ela carrega em si a genealogia da performance. De veia política singular, criou com artistas que ressignificaram a noção de ação no teatro brasileiro, como Augusto Boal e Zé Celso.
Foi também uma das fundadoras do grupo Teatro do Ornitorrinco e ficou conhecida como musa do underground. Aos 80 anos, fala da experiência com drogas sem pudores, como no curta "Tapa na Pantera" (2006).
Se Maria Alice passa agora por textos de Beckett e Hilda Hilst, ela o faz para evocar seus mortos, como uma ode ao instante, não só à morte.
Com a dicção e os movimentos afetados pelo Parkinson, com dificuldade para decorar o texto que perpassa a dramaturgia criada com Fábio Furtado, ampara-se na saúde de Luciano Chirolli e de outros atores que, em cena, passam por ela soprando em seu ouvido falas que em outros tempos saberia de cor.
Não existe na peça disfarce para esse ato grotesco e que também remete aos mortos, aqueles que ainda nos sopram o que foi escrito ou dito.
Ao contrário, ele se torna um recurso coreográfico belo, dilata-se para imagens tétricas, como aquela em que dois atores disputam, com a boca, um bife. Maria Alice é, sem dúvida, uma das grandes criadoras de nossa história.
WHY THE HORSE?
QUANDO sex. e sáb., às 21h; dom. e feriados, às 19h; até 10/5
ONDE Sesc Santana - r. Luiz Dumont Villares, 579; tel. (11) 2971-8700
QUANTO de R$ 9 a R$ 30
CLASSIFICAÇÃO 16 anos
AVALIAÇÃO ótimo