É tudo verdade crítica/documentário
Ao contrapor conceitos de justiça, 'Orestes' cria situações reveladoras
Filme, que mescla cenas documentais e dramatizadas, é baseado em trilogia trágica do dramaturgo grego Ésquilo
Decifrar o funcionamento da justiça ou apontar o que a distancia de seus ideais são temas recorrentes em documentários brasileiros recentes, que assim buscam exibir um aspecto pouco abordado de uma sociedade desestruturada pela violência.
"Orestes" aproxima-se dessa tendência com ambição maior. Trata-se não somente de colocar a justiça no banco dos réus, mas de indagar o que significa obter justiça e o conceito de reparação.
O título remete a "Orestíada", trilogia de tragédias do dramaturgo grego Ésquilo, representadas pela primeira vez em 458 a.C.. No ápice do drama, encontra-se o julgamento de Orestes, perseguido pelas deusas da vingança por ter matado a própria mãe para reparar a morte do pai. Sua absolvição simboliza o fim da regra do olho por olho, dente por dente.
Em torno do mito, o diretor Rodrigo Siqueira elabora dramatizações que desafiam o modo mais tradicional do documentário de reconstituição.
Entram em cena um ex-guerrilheiro vítima de tortura do regime militar, a órfã de uma militante de esquerda assassinada numa emboscada armada por um traidor durante a ditadura e pais de três jovens mortos por policiais em supostas situações de fugas e confrontos.
Cada um desses casos exemplifica, de modos distintos, que o cumprimento da justiça permanece parcial ou mascara relações de poder e de dominação.
O filme, contudo, não insiste apenas no jogo de acusações, já que a produção se interessa mais pelo modo como se efetiva a concepção abstrata de justiça, como ela faz valer o sistema de leis e valores que representa.
Além disso, a pergunta subterrânea é como e se a justiça atende às demandas emocionais de vítimas de violências.
Em vez de sobrepor pontos de vista e discursos com a finalidade de abarcar a complexidade da questão, "Orestes" prefere o risco.
O registro de sessões de psicodrama aproxima e confronta pessoas que sofreram situações de violência e uma defensora da pena de morte.
Assim o filme transpõe a justiça do universal para o particular e produz situações reveladoras de um modo que enxerga a justiça como um instrumento de vingança.
Num segundo bloco dramatizado, o filme contrapõe num tribunal duas argumentações em torno da anistia e da isenção de crimes de tortura por meio de um julgamento-encenação do crime de Orestes.
Nesse terreno pantanoso, o que "Orestes" consegue é fazer enxergar como a dimensão simbólica determina e ilumina o drama da justiça, ultrapassando assim o mero jogo de opiniões.
ORESTES
DIREÇÃO Rodrigo Siqueira
PRODUÇÃO Brasil, 2015, 12 anos
QUANDO qui. (17), às 21h, sex. (18), às 15h
ONDE Cine Livraria Cultura, av. Paulista, 2.073, tel. (11) 3285-3696
AVALIAÇÃO bom