Crítica cinema/drama
Embate entre estilos de vida sustenta filme
Longa italiano sobre agricultor que participa de um concurso de televisão expõe dilemas da identidade europeia
De vez em quando, o cinema italiano tem um sobressalto e consegue trazer ao espectador algo de novo ou, ao menos, diferente. Ou, em todo caso, uma questão.
No caso de "As Maravilhas", a questão que deixa para seus espectadores o filme de Alice Rohrwacher diz respeito, em grande medida, à Europa e seu destino. Ao mesmo tempo, formula um problema de identidade. Ou seja: o que é a Europa?
No filme temos uma família de pequenos fazendeiros liderada por Wolfgang, alemão casado com uma francesa. Eles vivem na Itália. Estão aí implicados três países-chave da União Europeia.
O apicultor Wofgang é uma mistura de libertário e autoritário. Dirige as atividades familiares com mão de ferro, mas não suporta que alguém venha a dizer às suas garotas que fiquem em silêncio: "Minhas filhas são livres", responde. No mais, seu mel é absolutamente natural.
Wolfgang verá que a liberdade não existe. Existem os controles sanitários cada vez mais fortes. Eles se manifestarão aqui via um concurso de televisão destinado a escolher e premiar o melhor agricultor.
O homem nunca entraria nessa: nem TV ele tem em casa. Mas as meninas se deixam fascinar por uma gravação feita perto de onde moram.
Queira ou não, ele entrará, então, no registro do espetáculo. E do espetáculo da TV italiana, ou seja: o ridículo.
Wolfgang e família vivem entre um passado artesanal que já não se sustenta e um futuro regido por leis às quais se acomoda mal. Eis um dilema bem europeu (tanto quanto a oscilação entre o libertário e o autoritário), ao qual Rohrwacher dá forma ficcional.
Existe ainda um personagem bem misterioso no filme: o jovem contraventor que nem ao menos fala a língua local, que vai trabalhar na fazenda como modo de ressocialização. Incômodo personagem sem identidade.
Quem seria ele? Metáfora, aparentemente, dos imigrantes que vivem clandestinamente e em condição de trabalho quase escravo.
Claro, esses sentidos alegóricos podem ser um distúrbio de visão do espectador. O que sustenta o filme, para além deles, é a beleza das paisagens e o choque entre dois modos de vida forçados a conviver no mesmo espaço.