Chatô, primeiro olhar
A Folha teve acesso às descrições feitas pelo governo do filme de Guilherme Fontes, iniciado há 20 anos e nunca lançado
Filme mais aguardado --e polêmico-- da história recente do cinema nacional, "Chatô: O Rei do Brasil", de Guilherme Fontes, é uma "cinebiografia sem escrúpulos", repleta de sexo, palavrões, violência, álcool e charutos.
Isso, de acordo com avaliação do Ministério da Justiça, que recebeu cópia do longa para definir a classificação indicativa e determinou, na última sexta (15), que a obra não é recomendada para menores de 14 anos. A informação foi antecipada pela Folha.
A análise feita pela pasta encerra uma das maiores discussões do meio cinematográfico: o filme, que começou a ser rodado há 20 anos e nunca foi lançado, de fato existe.
Inspirado na biografia escrita por Fernando Morais, "Chatô" é um longa de 106 minutos. É encenado num tribunal fictício que julga o protagonista, Assis Chateaubriand (1892-1968), figura central da história brasileira: fundador do grupo Diários Associados, atuou também na política, ajudou a criar o Masp e trouxe a televisão para o país.
Segundo o relatório, há na cinebiografia 15 cenas com uso de drogas lícitas (álcool, tabaco), 12 com alguma violência e oito com teor sexual.
A descrição das cenas com apontamentos do ministério estão dispostas nesta página.
O Chateaubriand de Guilherme Fontes, interpretado por Marco Ricca, distribui palavrões aos montes, diz querer "entupir o rabo do Brasil de notícias", toma injeções para "trepar a noite inteira" e chantageia Getúlio Vargas (papel do ator Paulo Betti).
O diretor iniciou o projeto em 1995. Nesses 20 anos, Fontes captou R$ 8,6 milhões via Lei Rouanet e Lei do Audiovisual, tentou chamar o cineasta Francis Ford Coppola para produzir o filme (o convite foi recusado) e enfrentou reveses na Justiça e no Tribunal de Contas da União.
Em novembro, o TCU negou recurso do diretor e o condenou a devolver cerca de R$ 66 milhões (valor da captação com a correção monetária) para os cofres públicos e pagar multa de R$ 2,5 milhões, sob a acusação de ter captado recursos incentivados sem ter apresentado o "produto final", isto é, sem ter realizado o longa.
"O filme não é lenda urbana", diz à reportagem Davi Simões Pires, diretor-adjunto do Departamento de Justiça, Classificação, Títulos e Qualificação, responsável por determinar a indicação etária. Ele não assistiu ao longa, mas confirma que "Chatô" foi avaliado por técnicos da pasta e que "está finalizado".
O relatório da classificação foi solicitado pela Folha ao Ministério da Justiça.
TROPICALISTA
"Acho que o sentido épico e controverso da vida de Chatô e de seu caráter estão lá", afirma Fontes, que define o seu longa como "tropicalista, modernista e violento."
As cores foram inspiradas nas telas de Tarsila do Amaral, contou o diretor à Folha. "Às vezes brinco dizendo que ficou até um pouco 'Sessão da Tarde', como se isso fosse possível com este personagem tão forte."
Questionado sobre referências cinematográficas, lista Coppola, em primeiro lugar, e segue com nomes que vão de Fellini e Zefirelli a Tarantino e Luc Besson. "Gosto de beber em muitas fontes."
O diretor quer exibir o filme neste semestre, mas não diz que distribuidores estariam dispostos a lançá-lo.