Provocador sofisticado, americano David Mamet ganha mostra em SP
Roteirista do longa 'Os Intocáveis' tem obra revista em peça, filmes e debates no Sesc Pompeia
Dramaturgo, diretor e autor, ele despontou nos anos 80 com escrita coloquial, mas precisa, e temas controversos
Autor prolífico e provocador nato, o roteirista, dramaturgo e diretor norte-americano David Mamet é tema de uma mostra que ocupa o Sesc Pompeia, em São Paulo, a partir deste sábado (30).
Nascido em Chicaco, em 1947, Mamet despontou no teatro e no cinema nos anos 1980, com textos que primavam por uma escrita precisa, mas bastante coloquial, e por abordar temas controversos. Em 1984, venceu o Prêmio Pulitzer pelo espetáculo "Glengarry Glen Ross" ("O Sucesso a Qualquer Preço").
Com encenação da carioca CiaTeatro Epigenia, a peça "Oleanna" abre a mostra em São Paulo. Escrita em 1992, a trama retrata uma estudante universitária que, para não ser reprovada em uma matéria, procura a ajuda do professor que leciona a aula.
De um diálogo caótico, nasce um jogo de poderes: os dois falam, mas não se comunicam. Por fim, a aluna acusa de assédio o docente. Mas ali não fica claro quem está certo ou errado.
"Mamet tem um texto muito bem estruturado e defende muito bem os dois lados de uma questão", diz Gustavo Paso, que assina a direção.
Na montagem, o papel de aluna cabe a Luciana Fávero, e os atores Marcos Breda e Miwa Yanagizawa se revezam na interpretação do professor.
Há sessões em que a atuação é de Breda, outras de Miwa. Em três dias (3, 4 e 5/7), ambos estarão em cena como o docente, uma configuração não ensaiada previamente pelo grupo, para "aumentar o jogo teatral", afirma Paso.
"Com um ator defendendo o professor, você olha mais para o indivíduo. Com dois, ainda mais sendo um homem e uma mulher, fica mais claro que eles representam uma instituição de ensino."
Após cada sessão, elenco e diretor farão um bate-papo sobre a obra com o público.
Interessado não só nos textos, mas também na forma com que Mamet dirige sua obra --sem fazer análises psicológicas dos personagens--, Paso comprou os direitos de mais dois trabalhos do autor.
"Race" (que tanto pode significar "raça" ou "corrida") deve estrear no segundo semestre e fala sobre um homem acusado de estuprar uma garota negra.
Já "Speed-the-Plow", prevista para 2016, trata de um produtor de cinema à procura de um roteiro. O título faz referência a um antigo ditado que pede bênção à colheita.
PRÍNCIPE DA DINAMARCA
A mostra no Sesc também prevê a exibição de filmes escritos por Mamet e debates sobre sua obra (leia ao lado). É dele o roteiro de "Os Intocáveis" (1987), clássico dirigido por Brian De Palma.
O ator Marcos Daud, que traduziu para o português "Oleanna" e "Sucesso a Qualquer Preço", ressalta como Mamet recria o falar cotidiano das pessoas, retratando repetições e murmúrios.
"Ele faz uma pesquisa grande de linguagem das ruas, se preocupa com as pontuações, as reticências e o dinamismo do discurso", diz. "Não é uma linguagem elitista, mas é extremamente sofisticada."
"Além disso, trabalha no terreno da ambiguidade. Levanta questões, não dá respostas. Com isso, foge do lugar-comum no qual tantos se acomodam", comenta Thiago Freire, Coordenador de Programação do Sesc Pompeia.
Para o crítico de cinema Rodrigo Fonseca, o americano também se destaca por abordar universos "menores" --o estudante, o vendedor de uma lojinha, a garçonete-- e elevá-los a um estado de grandeza.
"Em Shakespeare, por exemplo, o mito, como um Hamlet, já nasce mito. No Mamet, é o pequeno cara que vira o príncipe da Dinamarca."