'Talento literário do Sérgio me inibiu', afirma escritora
Sonia Sant'Anna desistiu da literatura e só retomou o projeto 30 anos depois
Após estreia do irmão Ivan e de André, seu sobrinho, nos livros, autora decidiu enfim dedicar-se a escrever
O crítico literário Harold Bloom cunhou a expressão "angústia da influência", nome também de seu livro mais conhecido, para retratar o embate do jovem autor em busca de sua voz própria, contra a força esmagadora dos escritores precursores.
O efeito pode ser paralisante. Para Sonia Sant'Anna havia ainda dois agravantes --o "concorrente" não era um escritor de séculos passados, de pincenê, cartola e bengala, mas sim um jovem de 20 e poucos anos que dormia no quarto ao lado.
"Fiquei puta da vida quando o Sérgio começou a publicar. Eu pensei: o que sou eu diante desse gênio? O talento dele me inibiu."
Os Sant'Annas moravam em Belo Horizonte (MG) quando Sérgio começou a dar os primeiros passos literários, em meados dos anos 1960. Publicava seus contos inicias em suplementos literários. A estreia em livro foi em 1969, com os contos de "O Sobrevivente", bancado por conta própria.
Para aumentar o infortúnio de Sonia, nessa época ela também preparava um livro de contos, por fim recusado por duas editoras. Foi o bastante para sepultar sua ambição artística por um longo período. "Não foi fácil ser irmã do Sérgio", reconhece.
Sonia casou-se com um advogado mineiro bem-sucedido e conformou-se a "uma vida bem doméstica". Viviam no Rio, com os dois filhos, numa bela cobertura em Ipanema.
O casamento acabou 19 anos depois. Sonia tinha 44 anos e nunca havia trabalhado até então. "Eu não sabia fazer nada, nem preencher um cheque. Mulher na minha época era criada para ser dona de casa. Tive que me virar."
Resolveu encarar o desafio. Dispensou a pensão do marido e começou a trabalhar como artesã joalheira. Montou uma loja com o famoso joalheiro Caio Mourão, mas o negócio faliu pouco depois.
Sonia voltou ao mundo da literatura no começo dos anos 1990, quando Ivan, o irmão do meio, resolveu ser escritor também e pediu ajuda a ela. Ivan trabalhava no mercado financeiro, tinha muita imaginação, mas nenhuma experiência de escrita.
Sonia foi a editora particular de Ivan durante toda a escrita do romance "Os Mercadores da Noite" (1997). Outro irmão a ultrapassava, mas a experiência serviu para resgatar seu prazer pela literatura.
"E então o diabo do André, filho do Sérgio, começou a publicar também. Aí eu decidi: dane-se, eu vou escrever alguma coisa." Deixou os contos de lado, uniu a escrita com seu gosto pela pesquisa e enveredou pela ficção histórica.
Curiosamente, hoje Sonia chega às vezes a vender mais que Sérgio. Isso porque os livros dela, alguns com foco no público infantojuvenil, são comprados pelo governo e distribuídos nas escolas.
"O Sérgio vende menos que o Ivan e eu porque é o melhor. Alta cultura não vende por aqui. Basta ver na música: quem vende mais, dupla sertaneja ou Wagner Tiso?"
Sonia seria então a dupla sertaneja? "Não", diz, aos risos. "Estou no meio do caminho. Sei que não estou no nível do Sérgio, mas faço um trabalho honesto e bem-feito."
Para evitar mágoas, os três irmãos mantêm um acordo tácito --um não dá palpite na escrita dos outros dois e não faz comentários muito extensos depois de ler os livros.
À Folha, Sérgio disse gostar do estilo dos irmãos. "Ivan escreve muito bem sobre aviões. E Sonia tem uma simplicidade que é o trunfo dela."