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Caetano conta que prepara novas parcerias com Gil às portas da turnê que festeja cinquentenário de carreira dele e do amigo, a ser aberta nesta quinta em Amsterdã; shows da dupla no Brasil podem ter novas datas
A turnê que reúne Caetano Veloso, 72, e Gilberto Gil, 73 amanhã, para comemorar o cinquentenário de carreira dos dois começa nesta quinta (25) em Amsterdã com 18 datas confirmadas na Europa e no Oriente Médio (Israel) e, por ora, apenas nove no Brasil --onde São Paulo será a escala inicial, em 21 e 22/8.
A provável sequência de abertura do show, porém, lembra sem rodeios onde estão fincadas as raízes da dupla.
O blues cordelista "Back in Bahia" (Gil, 1972), composto logo após a volta do exílio em Londres ("Como se ter ido fosse necessário para voltar/ Tanto mais vivo"), deságua em "Marginália 2" (Gil/Torquato Neto, 1968), dos versos "Minha terra tem palmeiras/ Onde sopra o vento forte/ Da fome, do medo e muito/ Principalmente da morte", incomodamente não anacrônicos, 47 anos depois.
Em seguida, o samba "É de Manhã" (Caetano, gravada por Bethânia em 1965, como lado B do compacto que lança "Carcará") deve abrir alas para "Filhos de Gandhi" (Gil, 1975), outra criação da fase de reencontro com o Brasil.
Em algum momento do périplo europeu, uma parceria inédita dos dois pode ser incorporada ao repertório, segundo Caetano --personificando aqui o mote "mistério sempre há de pintar por aí".
"Ainda não fizemos. Gil criou duas melodias diferentes e bonitas. Mas eu não escrevi nenhuma letra", conta, em entrevista por e-mail.
Para o músico, não há desequilíbrio na proporção de shows no Brasil e no exterior (a França e a Itália recebem, cada uma, quatro apresentações da turnê): "Você sabe como é, chega no Brasil os convites para fazer outras praças crescem, e a gente termina fazendo muito mais do que o que estava na primeira lista".
Nas cinco primeiras datas do tour pela Europa, o preço do ingresso varia entre 54 euros (ou R$ 186, média das entradas mais baratas) e 95 euros (ou R$ 327, média das mais caras). Em São Paulo, a venda para o público começa hoje, e será preciso desembolsar entre R$ 120 e R$ 450.
REENCONTRO
A ideia de juntar Caetano e Gil em cena partiu do empresário e produtor italiano Ettore Caretta, velho entusiasta da MPB. O último trabalho conjunto da dupla havia sido "Tropicália 2", disco de 1993 mais conhecido pela canção "Haiti".
Quase dez anos depois, eles dividiram o palco com Bethânia e Gal na reedição-relâmpago (só dois shows) d'Os Doces Bárbaros, que gerou não um álbum, mas um documentário assinado por Andrucha Waddington.
Gil e Caetano se conheceram em 1963, por intermédio do produtor Roberto Santana. O segundo já seguia pela televisão a carreira do primeiro havia ao menos dois anos. É dessa época a frase de dona Canô, que o filho reproduziu no livro "Verdade Tropical": "Caetano, venha ver o preto [de] que você gosta".
Uma das primeiras aparições conjuntas deles ocorreria no ano seguinte, já ao lado de Bethânia e Gal (além de Tom Zé), à frente do show "Nós, Por Exemplo", que abriu o hoje incontornável teatro Vila Velha, em Salvador. Em 1965, com intervalo de meses entre um e outro, sairiam os compactos de estreia do par: o cartão de visitas de Caetano tinha "Cavaleiro" e "Samba em Paz", enquanto Gil exibia "Procissão" e "Roda". O resto é história.
"Para mim é bom estar perto de Gil outra vez", comenta Caetano, que encerrou a extensa turnê de "Abraçaço" (disco lançado no fim de 2012) no último domingo, na Virada Cultural paulistana.
"Quase nada tenho composto", conta. "'Abraçaço' durou muito mais do que eu jamais preveria, e agora já emendo na turnê com Gil. Tomara que os nossos shows no Brasil não sejam muito mais numerosos [...], pois quero parar para saber o que vou fazer de novo [...] Quando o show da Virada terminou, senti que queria fazer mais coisas com a Banda Cê."
Já são três álbuns na companhia do trio formado por Pedro Sá (guitarra), Marcelo Callado (bateria) e Ricardo Dias Gomes (baixo): "Cê" (2006), "Zii e Zie" (2009) e o do recém-concluído tour. Os "transambas" e "transrocks" registrados na trinca de CDs renovaram nitidamente o público do cantor e compositor.
Antes de voltar ao estúdio, entretanto, Caetano ainda tem à frente a perna brasileira do projeto "Dois Amigos, Um Século de Música" e um possível desdobramento norte-americano, no começo de 2016.
ISRAEL
A turnê com Gil causou celeuma antes mesmo de começar por causa de uma mobilização na internet para que a dupla desistisse de se apresentar em Tel Aviv, diante da política do Estado israelense para a Palestina.
O músico inglês Roger Waters, ex-líder do Pink Floyd e adepto da causa palestina, endereçou duas cartas aos brasileiros pedindo que cancelassem a ida, mas não foi atendido. Nesta semana, Caetano respondeu argumentando que era preciso separar as ações do governo de Netanyahu do pensamento e das atitudes da população israelense.
O show de 28 de julho está, portanto, mantido. À Folha, o artista diz que "simplificar a estrutura da questão Israel-Palestina não ajuda".
"Não posso confundir o povo com o governo e suas políticas. Muito menos com fanáticos judeus que agridem palestinos em áreas de assentamentos. Assim como não confundo os palestinos com homens-bomba ou intolerantes antijudeus. Imagino que quem vai ver um show nosso em Tel Aviv não seja a direita reacionária", completa.
'ÍNTIMA ALEGRIA'
Numa pauta política mais próxima, ele diz ter recebido "com íntima alegria" a decisão recente do Supremo Tribunal Federal que torna inconstitucional a exigência de autorização prévia para publicação de biografias.
Em 2013, o Procure Saber, composto por ele, Gil, Chico Buarque, Roberto Carlos e outros artistas, articulou resistência à pressão para derrubar a brecha à censura prévia.
Sobre o cenário político brasileiro atual, Caetano vê se aproximar "o fim de um ciclo", o do PT no poder. "Sinto há bastante tempo. Votei em Marina pensando nisso. A Presidência perdeu força, o Congresso brilha com pautas conservadoras, Eduardo Cunha é uma nova estrela da mídia, mas eu votei em Dilma [no segundo turno]."