Em livro da Coleção, Kant investiga a ética
'Crítica da Razão Prática', que vai às bancas no domingo (5), diz que ações devem ser julgadas por suas intenções
Para pensador, atos não devem ser avaliados por seus resultados, porque é possível realizar o bem movido só pelo egoísmo
Nove dias antes de sua morte, o alemão Immanuel Kant (1724-1804) recebeu a visita de um médico. Embora estivesse muito debilitado, o filósofo se levantou da cadeira e permaneceu em pé, tremendo, até que o visitante compreendeu que ele só se sentaria depois que seu convidado o fizesse.
Após recobrar as forças, Kant afirmou ao convidado: "O senso de humanidade ainda não me deixou".
Esse mesmo sentimento anima a "Crítica da Razão Prática", principal obra de Kant sobre ética --que chega às bancas no próximo domingo (5) no oitavo volume da Coleção Folha Grandes Nomes do Pensamento.
Muitos acham que a moralidade é apenas um conjunto de regras impostas ao indivíduo por uma autoridade. Mas, se a sociedade só dependesse dessa coação externa, não existiria uma base sólida para a cooperação e a solidariedade entre os homens.
INTERIOR
Uma verdadeira comunidade só pode surgir se o comportamento moral brotar no interior de cada indivíduo por uma decisão livre, e não devido a uma imposição contrária à sua vontade.
Kant procede aqui tal como fez na teoria do conhecimento: é o sujeito que cria sua própria lei. Mas, se assim é, como as diferentes vontades individuais podem se compatibilizar?
Por meio da razão: uma norma de conduta individual pode ganhar a adesão de todos se promover o respeito mútuo e a dignidade humana: todo homem é "um fim em si mesmo" e jamais pode ser usado por alguém, nem sequer por Deus, "simplesmente como meio".
Mas, para que uma máxima individual se transforme em uma lei coletiva, é preciso que cada um atue de modo que seu comportamento se transforme numa regra de validade universal.
RAZÃO PRÁTICA
Assim, a lei fundamental da razão prática é: "Age de tal modo que a máxima de tua vontade possa sempre valer ao mesmo tempo como princípio de uma legislação universal". Um indivíduo é livre se obedece às leis nascidas da razão, pois estas não são estranhas ao homem.
Como devemos julgar as ações? Pelas suas intenções. Os atos não devem ser avaliados por seus resultados, já que é possível fazer o bem movido por um interesse egoísta. A boa vontade não é boa por suas obras: é boa em si mesma.
A tese de Kant foi muito criticada. O sociólogo Max Weber disse que os adeptos dessa "ética da convicção" obtiveram com frequência resultados opostos aos pretendidos --citando as ações dos revolucionários que levavam a um endurecimento da repressão política.
Tais críticas só levam em conta o presente. A curto prazo, afirma Maquiavel, "o que importa é o êxito", e os meios usados para conquistar o Estado "serão sempre julgados honrosos".
Kant, porém, tinha em vista o futuro: basta olhar uma lista de chefes de governo para ver quantos políticos astutos afundaram no esquecimento, enquanto revolucionários fracassados --como Tiradentes-- seguem vivos na memória coletiva.