Crítica Teatro/Comédia
Pop e erudita, peça narra atritos entre os sexos
O casal Pedro Cardoso e Graziella Moretto contrapõe machismo e feminismo na paródica 'O Homem Primitivo'
A dramaturgia de "O Homem Primitivo", comédia escrita, dirigida e interpretada pelo casal Pedro Cardoso e Graziella Moretto –em cartaz no teatro do Shopping Frei Caneca até quinta (30)–, desdobra-se a partir de uma revisita ao discurso feminista, com personagens e cenas criados como peças de uma argumentação teórica.
A primeira situação apresentada na rede de múltiplas histórias que o espetáculo costura mostra um casal indo ao cinema.
O homem se irrita ao saber que o filme escolhido não é um suspense, introduzindo assim o perfil crônico da peça, na qual situações psicológicas não são postas totalmente de lado, mas servem para citar padrões de comportamento imediatamente reconhecíveis.
Da conversa do casal, vai surgir o caso da empregada doméstica que, depois saberemos, apanhou do marido.
Da história da empregada surge a história da psicóloga que a atende em um posto público. Cada personagem puxa outro, como se eles estivessem em uma ciranda, procurando um ponto de equilíbrio comum.
A combinação temática (feminismo versus machismo) e formal (paródia do docudrama) é perfeita para deixar a plateia bem ligadona. Moretto sabe trocar de tipos com destreza, e Cardoso tem um controle fenomenal sobre a plateia.
Poucos espetáculos conseguem esse resultado, ser pop e erudito, ser rígido nas construções e aberto ao improviso, ser cômico e melancólico ao mesmo tempo.
REVOLUÇÃO
Ousados e habilidosos, Cardoso e Moretto montam, assim, um docudrama paródico, cujo esteio é a ideia de que a revolução só será possível com a valorização das características da mulher: para que elas deixem de ser injustiçadas, eles precisarão assumir as características femininas das quais abriram mão ""e que os tornam frágeis aos olhos de uma sociedade machista.
O tom de paródia desestabiliza o espectador. A peça apresenta estudos históricos fictícios, com a reconstrução absurda, em vídeo, de como a sociedade machista teria nascido nos primórdios da civilização. As brincadeiras relativizam o rigor do discurso.
Defender o papel da mulheres é fácil, só que, hoje, nada substitui a eficiência política de quem dá o exemplo.
Torna-se performático então sabermos que em cena está um casal, não necessariamente modelo de uma nova ordem. A contradição é que o debate, como pretexto dramatúrgico, se submete a uma vontade não realizada, da qual personagens surgirão como ilustrações de nossa impotência, ironicamente sempre aos pares. O amor familiar é muito lindo.
O HOMEM PRIMITIVO
QUANDO ter., qua. e qui., às 21h; até 30/7
ONDE Teatro Shopping Frei Caneca "" r. Frei Caneca, 569, tel. (11) 3472-2229
QUANTO R$ 60 a R$ 70
CLASSIFICAÇÃO 14 anos
AVALIAÇÃO ótimo