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Artista cria instrumentos impossíveis
Em exposição em São Paulo, percussionista carioca Ricardo Siri mostra objetos de sopro soldados uns aos outros
Músico, que já tirou som de um Fusca 1969 e do ultrassom da filha, lança também o 4º disco, 'Je ma Pele Siri'
A sucata de um Fusca 1969, uma máquina de escrever, os exames pré-natal da primogênita: tudo é instrumento aos olhos de Ricardo Siri, 44.
Mas em sua exposição "Oroboro", que estreia nesta terça-feira (11) em São Paulo, são os instrumentos que ressurgem fora de lugar, enlaçados uns aos outros para formar instalações inusitadas.
De origem grega, o nome "Oroboro" evoca a imagem da serpente comendo o próprio rabo –bastante usada pela alquimia. "É aquele símbolo do infinito, que é exatamente o momento que eu passo na minha carreira. Comecei como músico, depois fui para arte sonora, performance, e agora até me considero um escultor", o artista conta à Folha.
Os objetos foram acumulados em viagens de Siri pela Europa e pelo interior do Brasil. "Me dava uma certa tristeza ver aquilo parado, morto, então eu comprava. Levava pra casa e pensava: 'Um dia vou fazer alguma coisa com isso.'"
Esse dia chegou. Siri encontrou um trompete num antiquário na Inglaterra. O trombone servia numa caça de porcos na França. A corneta foi adquirida do Corpo de Bombeiros do Rio, que a soprava em folias do Carnaval. "Fico imaginando o francês que caçava o porco tocando com um cara do samba do Rio."
Só poupou da solda uma espécie de ancestral do sousafone (derivação da tuba). Siri o entregou a um amigo professor após escutar seus suplícios. "Ele disse: 'Pelo amor de Deus, não faz isso! Isso tocou com Anacleto de Medeiros!' [maestro morto em 1907]". O instrumento data do período estimado entre 1887 e 1910.
De algumas peças na mostra ressoa uma melodia quase lúgubre, gravada de improviso por Siri –que colocou caixas de som dentro de objetos expostos. "É fúnebre no sentido do renascimento. É exatamente a libertação de todo o contexto de pegar as peças antigas e renascer com elas."
A mesma lógica se aplica à sua trajetória artística. "Não saí da música, mas teve um momento em que estava tocando com muita gente interessante: Sivuca, Hermeto Pascoal... Meio que pra mim era o auge de uma carreira como músico, mas pensei: 'Opa, pera aí, o que vim fazer aqui?'"
Os trabalhos visuais começaram logo após receber um Prêmio da Música Brasileira, em 2010, por seu segundo disco, "Ultrassom". Ilustrado com um recorte da ultrassonografia de sua filha mais velha, Clara, hoje com 8 anos, o álbum mistura os sons do eletrocardiograma aos choros do bebê recém-nascido. A equipe médica do parto aparece nos créditos do trabalho.
FERRO-VELHO
Expostas no Rio no primeiro semestre, as peças de "Oroboro" foram todas vendidas (de R$ 16 mil a R$ 18 mil). As que chegam a São Paulo são inéditas, feitas em uma semana, após uma busca desenfreada por novos instrumentos.
Também foram fabricadas com uma técnica de soldagem diferente, mais delicada, enquanto as antigas eram mais rústicas. "A nova estética é como um Opala. A anterior se aproximava a de um Fusca", diz, apontando para um ponto de junção entre trombones.
O automóvel, aliás, foi responsável por parte do prestígio do artista. Em 2004, durante um desfile da escola de samba Mocidade Independente, Siri viu passar um Fusca 1969 sobre um carro alegórico. Decidiu levá-lo dali para os palcos, convertendo a lataria em música –com o ronco do motor ou batuques no teto e nas portas, por exemplo
"Esse Fusca já deve ter sido dirigido por um monte de gente, desfilou no sambódromo e virou um show. Agora deve estar por aí", divaga sobre um de seus instrumentos deslocados. Ele não ficou com a carcaça.
Siri também lança seu disco "Je ma Pele Siri", produzido em 2013 numa residência de artes plásticas em Paris. No dia 22/8, às 11h, faz uma performance e participa de conversa na galeria Mezanino.
OROBORO
QUANDO ter. (11), das 16h às 22h; de ter. a sáb., das 11h às 19h;
ONDE Galeria Mezanino, r. Cunha Gago, 208, tel. (11) 3436-6306
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