Crítica Teatro/drama
Mergulho no íntimo, 'Orgia' ocupa bem o parque Trianon
Os diários do argentino Tulio Carella (1912-1979), publicados no livro "Orgia", conduzem o leitor por um mergulho no íntimo e de exposição inédita: com escrita confessional e tratamento literário, o autor nos reporta à passagem despudorada de um homem estrangeiro pelo Recife.
Os relatos resultaram de experiências nos anos 1960, quando o autor foi lecionar na Universidade Federal de Pernambuco. Seguem-se, por ordem, a refutação do ambiente familiar de Buenos Aires, a descoberta da sexualidade no Nordeste brasileiro, um episódio de tortura, a deportação e o isolamento na volta à cidade natal.
O espetáculo "Orgia ou De Como os Corpos Podem Substituir as Ideias", do grupo Teatro Kunyn, com direção de Luiz Fernando Marques (do Grupo XIX de Teatro), procura abranger toda essa curva narrativa em um experimento cênico de fricção entre realidade e representação. Itinerante, a peça passeia pelo parque Trianon, espaço público na avenida Paulista que deu refúgio à paquera gay muito antes da famosa parada.
Não é fácil falar sobre a peça em uma crítica de jornal, principalmente porque, para retratar o universo secreto de um homem, os autores criaram uma sequência de surpresas bem-sucedidas, capazes de nos confundir e de nos proporcionar um trânsito indefectível entre o real e o imaginário.
A montagem conquista, como poucas vezes vi, apropriações do ambiente em que se insere, deixando-se transformar pela paisagem na mesma medida em que a transforma.
No total, há três circuitos que o espectador percorre durante a sessão. O primeiro fixa-se em uma casa no meio do parque; o segundo segue pelos caminhos entre a mata fechada; e o terceiro ocupa uma espécie de banheiro.
Há algo frustrante apenas na primeira fase. A apropriação do real passa pela comunhão entre atores e plateia, o espectador contribui com suas histórias. Esse tipo de experiência criou, no passado, um campo fértil onde pouco foi semeado.
Com frequência, a timidez –e, pessoalmente, posso dizer que me sinto subjugado pelo modelo exaurido– resultam em histórias sem graça. Mas é uma introdução, paradoxalmente, até que necessária. O que vem depois nos arrasta.
ORGIA OU DE COMO OS CORPOS PODEM SUBSTITUIR AS IDEIAS
QUANDO sex. a dom., às 15h; é necessário fazer reserva pelo tel. (11) 94151-3055; até 30/8
ONDE parque Trianon, av. Paulista, 1.578 (o ponto de encontro é o portão lateral na rua Peixoto Gomide, 949)
QUANTO grátis
CLASSIFICAÇÃO 18 anos
AVALIAÇÃO muito bom