Festival de Veneza
'Boi Neon' exibe um Nordeste sem clichês
Filme do diretor pernambucano Gabriel Mascaro exibe país rico, de sertão colorido e com machos não tão machos
O longa foi selecionado para a competição Horizontes, dedicada a novas tendências estéticas no cinema
O Brasil que o filme "Boi Neon" apresenta em Veneza foge dos clichês do país a que os festivais de cinema se acostumaram: exibe um Nordeste rico, de machos nem tão machões e de sertão colorido.
"Eu não buscava o Brasil das tradições, mas o que mudou economicamente e modificou as relações humanas", diz à Folha o diretor do filme, o pernambucano Gabriel Mascaro. "Não queria o Nordeste do cinema novo, aquele da fome da miséria."
"Boi Neon", que integra a competição Horizontes, dedicada a novas tendências estéticas, repete o feito do longa anterior de Mascaro, "Ventos de Agosto", que também passou pelo circuito das mostras internacionais e ganhou menção honrosa em Locarno, na Suíça, no ano passado.
Do filme anterior, o novo guarda semelhanças: pouca trama e uma investigação quase documental da vida dos personagens: gente como Iremar (Juliano Cazarré), vaqueiro viril que se interessa por costurar vestidos, e Galega (Maeve Jinkings), mulher abrutalhada que dirige caminhão e entende de ferramentas.
"Não é bem uma inversão dos gêneros, mas uma dilatação deles", afirma o cineasta. "Coisa que é possível nesse Nordeste contemporâneo, que é mais aberto."
Corpo que é exibido em demoradas cenas com nudez. Numa longa sequência, o personagem de Cazarré transa em cima de uma mesa de costura.
É de outro tipo de cena explícita que trata "Beasts of No Nation", de Cary Fukunaga, provável candidato ao posto de filme mais violento da mostra competitiva em Veneza.
NETFLIX VIOLENTO
Um único plano sequência, por exemplo, registra uma casa a ser alvejada por fuzis, o estupro de uma mulher e várias mortes a tiros.
Noutra cena, um menino é instruído a cortar a cabeça de um prisioneiro. Ele titubeia –e ouve que o golpe será simples "como cortar melão".
Primeira investida da Netflix no território dos festivais, o longa acompanha a descida ao inferno de um menino que é sequestrado e forçado a lutar como soldado ao lado de rebeldes. A obra é baseada no romance homônimo do nigeriano Uzodinma Iweala.
Fukunaga, diretor da série "True Detective", nega semelhanças entre os personagens do filme e os jovens recrutados por organizações extremistas como o Boko Haram, de inspiração islâmica.
"Quis evitar a religião, essa oposição entre cristãos e muçulmanos", disse em conferência de imprensa.
O inglês Idris Elba ("Mandela") interpreta o líder rebelde que recruta crianças como mercenários, um sujeito até carismático, que encanta os meninos. "Não queria um ditador, queria um senhor da guerra mais pé no chão."
A trama, rodada em Gana, não explicita a nação da África subsaariana em que o filme se passa nem a guerra civil em questão.
Alguns dos meninos que participam da produção, a maioria sem experiência prévia, foram testemunhas de conflitos em nações como Libéria e Serra Leoa. "Houve uma preocupação para que o longa não irrompesse traumas", disse Fukunaga. "Tudo parece muito violento e extremo na tela, mas essa intensidade não esteve no set."