Entrevista - Danilo Santos de Miranda
Não temos como garantir o mesmo ritmo; tudo é afetado
Para o diretor do Sesc SP, retração na programação e no investimento registrada em agosto continuará a curto prazo
Danilo Santos de Miranda, 72, já foi convidado para ser secretário e ministro da Cultura por PSDB e PT, mas sempre recusou. "Até há pouco eram os únicos partidos que eu achava que existiam", diz. "Agora não existe mais nenhum." Desde 1984, está à frente do Sesc SP, que tornou uma máquina mais efetiva do que as instituições públicas. Em entrevista, comenta os efeitos da crise econômica na cultura.
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Folha - Qual é o impacto da crise sobre o Sesc?
Danilo Santos de Miranda - Não é um fato isolado, tem aspectos múltiplos. É o dólar que está mais alto. É a arrecadação nossa que está se comportando como toda a economia brasileira. A questão tem sobretudo essas duas facetas que nos dizem respeito diretamente. A gente traz grupos de fora, gasta em dólar, uma parte pelo menos. E a gente tem menos possibilidade de fazer as coisas na medida em que tem menos arrecadação, enfim, menos recursos para poder tocar o barco.
Tem efeito na programação?
É natural que tenha. De alguma forma, a gente vai ter que rever. E tem uma terceira coisa importante que a gente faz, além da programação, nacional e internacional: nós investimos, estamos crescendo, aumentando a nossa infraestrutura, seja na cidade, seja no Estado. Então, tudo isso é afetado. Não temos como garantir o mesmo ritmo, seja de programação, seja no plano de investimento. Na prática, isso significa que estamos revendo, sem previsões catastróficas, tipo redução de quadro. Da maneira mais tranquila possível, mas vamos ter que diminuir, por exemplo, a apresentação de ações com custo em dólar.
O dólar está batendo em R$ 4.
Está disparado, vai passar de R$ 4, acho. Mas temos compromisso com alguns que estão vindo, por exemplo, com o Wajdi Mouawad, que é um autor libanês, de "Incêndios", que virá também fazer um monólogo. É coisa já comprometida e que a gente vai cumprir. Agora, não vamos nos comprometer com novos compromissos.
A queda na arrecadação foi a primeira em dez anos?
É, em torno de 3% ou 4%, por enquanto, no primeiro mês. A gente não sabe o quanto vai significar mais para a frente. O primeiro mês em que observamos diminuição foi agosto, então a gente imagina que essa sinalização vá continuar. Quer dizer, eu acredito que vai ser retomado, que mais cedo ou mais tarde as coisas vão se equilibrar. Somos um país que não tem outra saída que não seja crescer, se desenvolver.
É um [primeiro] número negativo em dez anos ou até mais. Faz tempo que a gente vem sempre crescendo, porque o mercado de trabalho foi se formalizando. Mesmo quando o Brasil não estava com crescimento grande, o mercado estava se formalizando de maneira intensa. A formalização significa carteira assinada, que é o que determina a contribuição, empregados regulares. O mercado informal não contribui.
Essa queda na arrecadação é circunstancial?
Independente da questão circunstancial dessa restrição, que eu espero que seja circunstancial, na minha visão mais ampla a questão econômica está presente demais, você pega a primeira página e é o que interessa, economia e política. Eu me bato há muito tempo para um deslocamento das atenções do que é mais relevante, para as pessoas e para a sociedade, que é a questão mais educacional e cultural.
Tudo quanto é político, empresário, dirigente, diz "educação é a coisa mais importante", mas fala de cultura meio forçado, não acredita muito. Porque pensa na educação regular, na escola. Esquecem que educação é muito mais. E quando amplia o conceito de educação você está falando de cultura. É antes, durante e depois da escola. Daí o foco, numa hora de crise como esta, em que a questão muitas vezes é comportamento. São valores.
O Sesc se tornou central para a cultura aqui em São Paulo.
Tem uma característica até mundial importante.
Há três anos saiu a reportagem no "New York Times".
Eu tenho no quadro, ali.
Esta crise terá impacto sobre a cultura de São Paulo? Sobre a produção que o Sesc apoia, já que aquela mais comercial...
A indústria cultural não vai ser afetada seriamente. Só alguma coisa. Mas esta cultura de caráter público, aberto...
Que tem olhar nacional.
Se ela pode ser ameaçada? Eu espero que não. Ao falar que a gente vai rever custos, rever programação, isso não afeta necessariamente a qualidade do que fazemos. Posso continuar pensando numa exposição tipo Tadeusz Kantor, só que não com aquele porte, aquele aparato. Vamos continuar propondo ações que tenham esse jeito de fazer, provocar, aprofundar, mesmo que de outra maneira, não com esse custo. A gente sempre fez.
O Sesc não é só cultura.
Tem gente que pega o volume do Sesc, com seus quase 7.000 funcionários, com sua folha de R$ 50, 60 milhões por mês, junta tudo e diz: "O Sesc é o Ministério da Cultura". Não é. Nós realizamos ações culturais, numa parte da nossa operação. O Sesc lida com coisas que o Ministério da Cultura faz, o da Educação, o do Esporte, da Saúde. O nosso orçamento anual está em torno de R$ 1,5, R$ 1,6 bilhão. Deve cair um pouco no ano que vem. No máximo, continuar esse mesmo valor, o que para nós já seria fantástico.