Idealizar o amor pode ser violento, afirma Contardo
Psicanalista discorre sobre agressão doméstica em debate sobre seriado 'Psi'
Criada e roteirizada pelo colunista da Folha, série sobre casos terapêuticos estreia 2ª temporada no domingo, no canal HBO
Qual é o problema de vivermos felizes para sempre?
Para começo de conversa, é uma premissa falsa –e por isso mesmo bem perigosa, diz o psicanalista e colunista da Folha Contardo Calligaris.
"Se ousar dizer o que realmente penso, acho que a violência doméstica vem da nossa idealização do amor", afirmou em debate na terça (29), no Espaço Itaú de Cinema, em São Paulo, sobre "Psi", série criada e roteirizada por ele que estreia a segunda temporada neste domingo (4), na HBO.
Mediada por Fernando Canzian, repórter especial da Folha, a conversa também contou com Emílio de Mello, que vive o protagonista Carlo –alter-ego de Contardo capaz de ironias como esta sobre a receita da felicidade: "Heroína injetável, duas vezes ao dia".
O tema da temporada é a violência em suas várias formas (de exorcismo a sadomasoquismo). Exibido no cinema, o primeiro da nova leva de dez capítulos aborda o abuso doméstico contra duas mulheres.
Uma apanha repetidamente do marido, e pelos motivos mais banais. "Os dois estão comendo um pedaço de bolo na cozinha. Você pensa, 'não, ele não vai bater nela. Aí ele vai lá e quebra seu nariz", Emílio descreve uma cena.
O marido de outra arrancou-lhe o olho após anos de mútuo massacre verbal (como menções sobre ele ser "brocha").
Batizado "O Abrigo", o episódio de estreia descreve a nova empreitada de Carlo: coordenador de ONG para mulheres agredidas por seus companheiros. As estatísticas que embasam a ficção são reais: uma em cada quatro mulheres será vítima de violência doméstica ao menos uma vez na vida; em casos mais graves, uma vítima aguenta, em média, 35 ataques até procurar ajuda.
Contardo foge a lugares-comuns, como apontar que o típico agressor é "aquele cara que volta bêbado e bate na mulher". O perfil desses homens, diz, é múltiplo e aparece em todas as classes sociais.
Para ele, o maior problema é depositarmos todas as fichas no mito da vida a dois como fonte de plenitude. "A razão da violência está no absurdo do sonho de felicidade que um casal alimenta." Frustrar-se será inevitável, diz. E, para alguns homens, essa decepção se dá à base de bordoadas.
"Cá entre nós, a única verdadeira razão pela qual alguém se casa é para poder acusar o outro de tudo o que ele não conseguiu fazer", afirmou o psicanalista, provocando gargalhadas na plateia.
"Essa é a grande motivação [do matrimônio]. Mas a motivação explícita é a de que, juntos, seremos muito felizes", disse Contardo. "Estou contando isso como piada, mas infelizmente não é."