Diário de Havana
O MAPA DA CULTURA
O berço dos heróis
Libertação e prisões anunciam ano agitado
É 26 de dezembro. Num antigo casarão estilo francês no bairro de Vedado, quase 300 pessoas se reúnem no pátio arborizado. A confraternização de final de ano do Instituto Cubano de Amistad con los Pueblos --órgão vinculado ao Ministério das Relações Exteriores-- é um misto de discursos inflamados, música e comida.
Teria tudo para ser a típica "festa da firma" à la cubana. Uma porção de costela de porco e arroz é servida em bandejas de isopor, enquanto um conjunto ao vivo dá o tom do baile. Um tipo de bigode, no entanto, circula por ali com status de celebridade: todos querem lhe apertar a mão, todos querem uma foto. Fernando González vai de mesa em mesa distribuindo cumprimentos e sorrisos.
Ao lado de Gerardo Hernández, Antonio Guerrero, René González e Ramón Labañino, González é um dos "cinco heróis", agentes de inteligência cubanos presos nos Estados Unidos em 1998. Desde o dia 17 de dezembro, quando anunciou-se a liberação dos três que faltavam, os órgãos de informação do governo só falam do quinteto. No dia 28, uma escultura gigante em homenagem aos heróis foi inaugurada no vilarejo de Jaimanitas, a 30 quilômetros da capital.
LEMBRETE
No Museo de Bellas Artes, o acontecimento reverbera na forma de uma instalação do artista cubano Kcho, "No Agradezcan el Silencio". Ali, num espaço que reproduz uma cela de segurança máxima da prisão federal americana (FDC), o visitante é convidado a colocar um macacão laranja de prisioneiro e a ler sobre a rotina que os "cinco heróis" tiveram durante 17 meses nesse tipo de detenção.
De acordo com um artista contemporâneo que não quis ter seu nome identificado, Kcho vem comprometendo seu trabalho e sua reputação artística ao vincular-se, sem ressalvas, à política oficialesca. "Nenhum general jamais foi visto num evento de arte em Havana, mas Kcho, sim, tornou-se o grande amigo de Fidel", cutuca.
Depois que nomes importantes da arte contemporânea deixaram o país (Los Carpinteros vivem especialmente em Madri; Ricardo Brey estabeleceu-se na Bélgica), uma nova geração começa a se estruturar em torno da FAC (Fabrica de Arte Cubana), fábrica de azeites transformada num misto de galeria de arte, espaço de projeções e balada.
Em torno desse grupo alternativo circula também Tania Bruguera, presa no dia 30 depois de articular uma performance na praça da Revolução. Intitulada "El Susurro de Tatlin #6", a ação planejada consistia em deixar um microfone aberto para que os cidadãos expressassem sua opinião sobre o governo. O Conselho Nacional de Artes Plásticas de Cuba (CNAP) classificou a proposta como "inaceitável". A prisão de Tânia e ao menos 12 outros dissidentes gerou uma grita internacional que fez com que a soltassem poucos dias depois, mas soa como um lembrete. O controle não terminou.
DESCONFIADOS
O palavreado excessivo sobre o retorno dos heróis parece inversamente proporcional ao silêncio sobre a retomada das relações diplomáticas com os Estados Unidos e os próximos passos da abertura econômica. De taxistas a músicos, de artistas a manicures, as esperanças para o novo ano se renovam, mas sempre com reticência.
"Dos americanos nunca se sabe o que se pode esperar. Mas quem passou pelo Período Especial [entre 1989 e 1994, momento de racionamento e fome em todo o país] está preparado para tudo", diz Suarez, barman do Hotel Nacional.
Espécie de Copacabana Palace havanês, o Nacional é o hotel histórico que hospeda chefes de Estado, abonados e artistas. No lobby, uma grande árvore de Natal recebe hóspedes e visitantes com uma faixa ao redor: "Fidel: volveran nuestros héroes".
HAY QUE ENDURECER?
"Nada nos deixa mais felizes que saber que os heróis vão passar o Ano Novo com suas famílias", conta Milena Lopez, bilheteira no Memorial José Marti, fã de Fidel e de novelas brasileiras.
"As mulheres brasileiras são lindas. A Camila Pintanga bem poderia ser cubana", diz, diante da praça da Revolução. A prisão de vários dos dissidentes aconteceria ali mesmo, poucas horas depois, anunciando a chegada de um ano efervescente, sin perder la ternura.