Cifras&Letras
Crítica Economia Brasileira
Livro indica acertos e erros na busca da cura para a inflação
Para ex-presidente do BC, 'vacina' do Brasil contra o problema está em risco
Duas décadas após o Plano Real, que estabilizou a economia, a inflação ainda é um trauma no Brasil. Com os preços se aproximando do teto da meta estabelecida pelo governo e com os investidores cada vez mais reticentes em relação à política econômica atual, o economista Affonso Celso Pastore resolveu mexer nessa ferida.
O objetivo da obra "Inflação e Crises - O Papel da Moeda", lançado nesta semana pela editora Elsevier, é fazer um diagnóstico completo da doença que tanto assusta os brasileiros e tentar encontrar uma vacina.
"A minha tentativa com esse livro é mostrar o que funcionou e o que não funcionou no combate à inflação", disse Pastore à Folha.
Ele começa a contar a história da inflação brasileira no governo Juscelino Kubitschek (1956-61), passando pela ditadura militar (1964-85), quando surgiu o Banco Central, em 1965.
Antes, o Tesouro podia sacar recursos diretamente com a autoridade monetária, que era o Banco do Brasil. Para gastar, apenas imprimia dinheiro, sem se importar com os efeitos sobre os preços.
Pastore dedica dois capítulos do livro a demonstrar como a política fiscal, ou a falta dela, sempre comandou os rumos da política monetária. Os governos não abrem mão de gastar e inflar os bancos públicos, minando a eficácia do controle da inflação.
A criação do BC não acabou com a farra. Alguns planos de estabilização foram até bem-sucedidos, mas surgiu uma inflação inercial que se tornou uma bactéria resistente no organismo do país. Os antibióticos só começaram a fazer efeito a partir do Plano Real, que finalmente conseguiu estabilizar os preços.
CURA E RECAÍDA
Mas a cura mesmo veio apenas no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, que só aprovou a Lei de Responsabilidade Fiscal depois que a âncora cambial fez água e que o governo corria o risco de colocar a perder sua grande conquista.
Foi apenas a partir daí que o Brasil começou a ter um modelo econômico consistente, que sobreviveu até mesmo à crise de 2002, quando a perspectiva da eleição do primeiro presidente operário do país, Luiz Inácio Lula da Silva, deixou o mercado em polvorosa. "Houve um turbilhão para cima do Brasil e o modelo resistiu. Ali eu pensei que tínhamos encontrado a solução", disse Pastore.
Qual é a vacina para a doença da inflação? "A política fiscal não pode dominar a política monetária", responde Pastore. Traduzindo: o governo não pode gastar o que quiser sem se preocupar com a escalada de preços.
Especialista em política monetária, o economista foi presidente do Banco Central de setembro de 1983 a março de 1985. Ironicamente, conseguiu fazer pouco pelo controle da inflação em meio à terrível crise da dívida externa, que praticamente quebrou o país.
Ele ajudou a ajeitar o balanço de pagamentos, mas deixou o BC com a inflação oscilando em torno de 200% ao ano. Ninguém, no entanto, duvida de seu conhecimento sobre o tema e, nesse livro, ele dá uma grande contribuição: um alerta.
Pastore diz acreditar que a vacina contra a inflação está em risco. No final do livro, ele conta como o Brasil saiu rapidamente da crise internacional, utilizando estímulos monetários e fiscais, que estavam corretos no período.
Mas, depois do paciente curado, o governo Dilma insistiu no remédio e continuou gastando, acreditando que o Brasil ainda precisava de medidas contracíclicas, mesmo com a economia em pleno emprego.
Para Pastore, a presidente, que acaba de ser reeleita, começou a desmontar os alicerces do equilíbrio macroeconômico e do controle da inflação. "Ao contar essa história, percebi que estamos voltando para trás."
Com 328 páginas divididas em oito capítulos, o livro é bastante denso e os muitos cálculos matemáticos dificultam a compreensão do leitor comum, que acaba até pulando essas páginas. Mesmo assim, vale o esforço de quem quiser entender melhor por que o Brasil é traumatizado com a inflação.
INFLAÇÃO E CRISES - O PAPEL DA MOEDA
AUTOR Affonso Celso Pastore
EDITORA Elsevier
QUANTO R$ 69,90 (328 págs.)
AVALIAÇÃO Ótimo