Samuel Pessôa
Virada na política econômica
Se a qualidade da gestão política não melhorar, não haverá Joaquim Levy que dê conta do recado
Em outubro de 2013, na coluna "Empurra com a barriga", eu apostava na arrumação de casa em seguida à eleição. No entanto, fui tão surpreendido pela escolha de Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda, certamente dos melhores nomes que temos para o cargo, quanto o mercado em geral.
Sucedeu que, entre a coluna de outubro do ano passado e hoje, os sinais que tivemos foram na direção de que não haveria ajuste ou, no máximo, um ajuste muito marginal e insuficiente.
Houve um acúmulo de sinais na direção contrária ao ajuste nos últimos meses: tornar a desoneração da folha de salários permanente, renegociar os créditos do Tesouro contra o BNDES em bases muito favoráveis ao banco, aceitar a alteração do indexador das dívidas dos Estados e municípios e aceitar a elevação das transferências da União a Estados e municípios com a alteração da composição dos Fundos de Participação, entre outras medidas.
Todas essas iniciativas, tomadas em seu conjunto, sugerem que a presidente considera que o desempenho ruim da economia não resultou da alteração no regime de política econômica realizada em 2009.
Assim, é muito difícil compreender a mudança de rota. Não obstante, minha impressão é que com Levy vamos para o ajuste pleno. Ao menos o governo irá tentar. Ocorreu que os políticos petistas, animais muito mais pragmáticos do que os economistas petistas, consideram que o experimento de política econômica deu errado e certamente têm pressionado para um retorno à ortodoxia econômica. A carta de demissão de Marta Suplicy pediu quase que explicitamente alguém como Levy na Fazenda.
A alteração na política econômica que se vislumbra à frente, com a escolha do novo ministro da Fazenda, foi a vitória dos políticos petistas sobre os economistas.
Nesse entrevero a presidente é persona dúbia. Como ex-estudante do Departamento de Economia da Unicamp, certamente aprova e incentivou a nova matriz econômica. Já na função de titular do posto de líder político máximo do país, Dilma apoia a arrumação da casa. Como convivem as duas personas? Não tenho a menor ideia. Precisarei de muito mais do que meus 51 anos de vida para compreender.
Sob a hipótese de que a altera- ção no regime de política econômica é para valer, a questão que se apresenta é se a alteração dará resultados.
Circula a interpretação de que a arrumação de casa necessária se assemelha à ocorrida em 2003. Não é verdade. Como argumentei na coluna da semana passada, em 2003 o ajuste fiscal foi da ordem de 0,7% do PIB. Nosso desequilibro hoje é da ordem de 2,5% do PIB ou pouco mais. 2015 se parece com 1997, e não com 2003. A vida será muito mais difícil.
Em 2003, havia de fato uma crise de confiança em razão do discurso maluco do PT nos 20 anos anteriores. No entanto, do ponto de vista fiscal, a situação era muito confortável. Malan legara para Palocci um superavit primário de 3% do PIB. Muito diferente do deficit primário de quase 1% do PIB que Mantega legará para Levy. Somente a melhora da confiança não será suficiente. Será necessário muito mais.
A arrumação de casa em 2015 demandará muita capacidade de gestão da política. Muito mais do que o grupo político há 12 anos no comando do Executivo nacional teve até agora.
Um bom início seria se, pela primeira vez em 12 anos, tivéssemos um presidencialismo de coalização, como vigorou no período FHC, em vez de um presidencialismo de cooptação. Há farta evidência empírica de que houve nos 12 anos petistas forte piora na gestão do presidencialismo de coalização em comparação ao período anterior.
Nos governos petistas, a distri- buição, entre os partidos da base de sustentação do governo, das responsabilidades administrativas não correspondeu ao peso de cada um. Esse foi o motivo da necessidade de gerir o dia a dia da política no varejão. Essa forma de gestão da política aumenta muito o custo de transação.
A tarefa da presidente nos próximos anos será hercúlea. O desafio é maior do que o enfrentado por FHC no segundo mandato. Se a qualidade da gestão política não melhorar, não haverá Joaquim Levy que dê conta do recado.