Dólar não compensa custo da mão de obra
Alta da moeda dos EUA ainda não foi suficiente para encobrir encarecimento do trabalho no Brasil visto na última década
Para analistas, câmbio não resolve sozinho problemas da infraestrutura e da baixa produtividade
A alta de quase 10% do dólar neste ano ainda não é suficiente para compensar o aumento do custo da mão de obra que ocorreu no Brasil na última década.
Entre 2003 e 2013, o custo do trabalho subiu 180%. Neste ano, caiu só 6%, segundo medida que leva em conta o salário em reais convertido em dólar e a produtividade.
A despesa com mão de obra cresceu sem que a eficiência do trabalhador aumentasse na mesma proporção.
Isso vem estrangulando o setor produtivo, principalmente a indústria, e é apontado por economistas como um dos motivos para a perda da capacidade de competir dos fabricantes nacionais em relação aos estrangeiros.
Empresários e integrantes do governo chegaram a defender, durante os últimos anos, que o dólar deveria subir para encobrir os custos.
Em 2014, o dólar encostou em R$ 2,60, mas o custo apenas abrandou, o que indica que, para a produção brasileira voltar a ganhar fôlego e as exportações se recuperarem, será necessário mais do que torcer para que o dólar suba.
EFICIÊNCIA
O custo unitário do trabalho é uma medida que leva em conta o salário em reais recebido por unidade produzida. Dessa forma, essa despesa com mão de obra pode cair se o real se desvaloriza ou se o trabalhador é capaz de produzir mais.
"O câmbio não vai resolver o problema sozinho", afirma Renato da Fonseca, gerente de pesquisa e competitividade da CNI (Confederação Nacional da Indústria).
"A baixa competitividade hoje está mais ligada aos custos internos da infraestrutura deficiente, da burocracia tributária, da baixa produtividade do trabalhador e da falta de investimentos."
Fonseca observa ainda que a estrutura produtiva do país mudou nos últimos anos, o que sugere que não basta voltarmos a níveis de taxa de câmbio do passado para que os problemas de resolvam.
Nos últimos anos, diz ele, com a valorização do real e a pujança do mercado doméstico, as empresas desistiram de usar o país como plataforma de exportação.
A entrada da China no mercado global de produtos industriais aumentou a concorrência e afugentou as que não tinham capacidade de competir. As empresas então se voltaram ao consumo interno. Muitas passaram a importar componentes para fabricar seus produtos.
Segundo a CNI, os importados representam hoje 22% dos insumos utilizados pela indústria brasileira em sua produção. Em 2009, quando a entidade começou a calculá-lo, o percentual era de 17%.
Mudar essa estratégia, que levou tempo e consumiu recursos, não será imediato, diz Fonseca. Serão necessários estímulos e a redução de custos para produzir no Brasil, com medidas que ataquem os problemas de fundo.
Para o economista Francisco Eduardo Pires de Souza, da UFRJ e assessor do BNDES, a desvalorização do real é o início de uma tendência que prosseguirá em 2015, o que ajuda a baixar os salários, quando cotados em dólares.
Na sua avaliação, uma taxa de câmbio que possa contribuir para o reequilíbrio da economia brasileira seria ao redor de R$ 3. "Sob qualquer critério, o real ainda está apreciado, as coisas no Brasil estão muito caras."
Voltar a exportar, para recuperar o dinamismo econômico, também depende do mercado externo. "Em 2003, a conjuntura internacional era mais favorável, agora o mercado está mais difícil e mais hostil", diz Souza.