Samuel Pessôa
Presidencialismo de cooptação
Mensalão e Petrolão são efeitos colaterais da escolha concentradora ou monopolista de gestão
A característica básica do presidencialismo de coalizão, que é o nosso sistema político, é a de o partido do presidente não deter maioria no Congresso em seguida à sua eleição.
A combinação de voto proporcional em distritos grandes -em nosso sistema político cada Estado funciona como um distrito em que o número de cadeiras varia de 8 até 70- produz elevada fragmentação partidária.
Após a eleição, o principal trabalho do presidente eleito é construir a coalizão de partidos que dará suporte às ações do governo.
Apesar dos problemas, a evidência é que nosso sistema político é funcional. Isso não significa que não ocorram problemas nem que não haja espaço para aperfeiçoamentos. Somente indica que o sistema político brasileiro tem funcionado relativamente bem.
Essa funcionalidade resulta de duas características: uma Presidência muito forte e uma série de estruturas de controle que desfrutam de grande independência e limitam o campo de ação presidencial.
A Presidência forte, ou "imperial", como preferem alguns, resulta da manutenção de diversas prerrogativas dos presidentes do período militar, como o instituto da medida provisória; o poder de estabelecer o regime de processamento, se de urgência ou urgência urgentíssima, de projetos de lei; o veto parcial ou integral; o poder de decisão sobre o cronograma de liberação de verbas orçamentárias, em razão de o Orçamento ser autorizativo; entre outras.
A Presidência forte permite a coordenação da diversidade de preferências na esfera parlamentar. O presidente forte consegue pautar o fragmentado Congresso Nacional.
O sistema não degenera em tirania pois há inúmeras instituições independentes que estabelecem limites à ação do Executivo: Ministério Público, Judiciário, imprensa livre e atuante, Tribunal de Contas da União, Controladoria-Geral da União e Polícia Federal.
Para gerir a coalizão, o Executivo tem dois tipos de instrumento: primeiro, a própria construção da coalizão e a distribuição entre os seus partidos das responsabilidades administrativas; e, segundo, o uso da liberação de recursos para a execução das emendas parlamentares (ou "varejão").
A literatura tem sugerido que os dois tipos de instrumento são complementares. Quem compartilha muito governo usa menos o varejão e vice-versa.
É aqui que nosso presidencialismo de coalizão decai para presidencialismo de cooptação. Os governos petistas têm um problema de origem: como houve a opção política de antagonizar os tucanos -que ideologicamente estão bem mais próximos do PT do que partidos como PP, PR, PSD, entre tantos outros-, as coalizões petistas são muito heterogêneas ideologicamente. Abarcam a esquerda, pulam PPS, PSDB e DEM e, em seguida, incorporam toda a direita.
A forte heterogeneidade ideológica das coalizões petistas faz com que a opção até agora dos governos petistas tenha sido compartilhar menos a administração com os parceiros e gerir a política no varejão.
De fato, um indicador de proporcionalidade dos gabinetes em relação ao peso de cada partido na base de sustentação do governo no Congresso mostra que, desde o governo Lula, tem havido redução da participação dos aliados na gestão.
Esse indicador foi de 60, 62, 49, 52 e 43, respectivamente, para FHC 1 e 2, Lula 1 e 2 e Dilma 1. Quanto mais próximo de 100, maior será a proporcionalidade entre o peso de cada partido no gabinete de ministros e na base de sustentação do governo.
A gestão política tem priorizado o varejão em detrimento do compartilhamento de responsabilidades administrativas. Mensalão e Petrolão são efeitos colaterais dessa escolha concentradora ou monopolista de gestão.
Para conseguir enfrentar todos os desafios à frente, a presidente terá que mudar a forma de gerir a política. O presidencialismo de cooptação terá que voltar a ser de coalizão.
A construção do ministério de Dilma 2 mostrará se o PT aprendeu ou não como se gere a política no presidencialismo de coalizão.