Cifras & letras
Crítica Internet
Web não cumpriu os objetivos e piorou a sociedade, diz autor
Notório crítico da rede propõe regulamentação estatal como saída possível
Quando o historiador Andrew Keen lançou seu penúltimo livro ("Vertigem Digital", Zahar Editora, R$ 29,90), já era possível imaginar o título do que escreveria a seguir. "The Internet is Not the Answer" ("a internet não é a resposta") saiu do prelo em janeiro, mas só reformulou o que o autor expressara antes.
Primeiro ponto, o título. A internet não é a resposta para qual pergunta --ou quais perguntas? Tão importante quanto: quem perguntou?
Nos dois capítulos iniciais, o autor monta o alicerce do raciocínio narrando a criação e o desenvolvimento da rede, no trecho mais interessante da obra --e, talvez, o único digno de destaque positivo.
Partindo do ideário de cientistas do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts) dos anos 1940 que, depois, participaram de programas do governo norte-americano considerados tataravôs da internet, Keen descreve diretrizes gerais do que, ele acredita, é o objetivo da rede.
Desse modo, a questão cuja resposta não é a internet jamais é formulada. Isso não é um problema, porque os princípios que comporiam esse objetivo inicial da rede são elencados. Vamos a eles.
AS PERGUNTAS
A internet tornou o mundo mais transparente? Ela fortaleceu as democracias ocidentais? O mundo desenvolveu uma cidadania global conectada? É possível dizer que há mais diversidade por causa da rede? Aqueles que antes não tinham voz agora têm?
Todos eram objetivos postos, mais ou menos claramente, pelos estudiosos que em algum momento ajudaram a construir o que é hoje a internet, ele ensina. Keen defende ainda que, ao contrário do que a maioria dos especialistas diria, a internet atrapalhou na busca de todos eles.
O autor afirma que, ao tornar tudo mensurável --de passos a batimentos cardíacos--, a web e os dispositivos criados em decorrência dela tornam "o invisível visível". Esse fato, conclui ele, diminui a transparência sobre o que empresas sabem e compartilham sobre usuários.
Além disso, a democracia piora à medida que companhias tornam-se quase monopólios. Para ele, a rede propicia o surgimento de corporações que dominam segmentos e aniquilam concorrentes. Há exemplos em profusão. Daí a dizer que necessariamente minam a democracia há um salto: a questão aparece não só na tecnologia.
Paradoxalmente, Keen sem querer cria um argumento que pode ser usado para justificar a censura na rede.
"O uso efetivo das mídias sociais por parte do Estado Islâmico realça o problema central da internet", começa. "Quando o 'gatekeeper' é retirado e qualquer um pode publicar qualquer coisa on-line, muito desse 'conteúdo' (sic) será propaganda ou puramente mentiras", termina.
Quem definiria o que é conteúdo, sem aspas, e o que é "conteúdo" --propaganda ou puramente mentiras? O governo. Para ele, a regulamentação estatal é a chave para acabar com a maioria dos problemas da rede, desde os monopólios até o "bullying" adolescente em redes sociais.
Os modos de fazer isso na prática, entretanto, não são abordados. Em resumo, a internet falhou em suas missões primordiais e mais importantes, o autor conclui.
QUEM PERGUNTA
O livro é permeado por um misto de amargura e arrogância, soando falso desdém pelos empreendedores da web, o que não é justificado pelas credenciais do autor. O que nos leva à segunda questão posta a partir do título do livro, sobre quem pergunta.
Keen é historiador com mestrado em ciência política pela Universidade da Califórnia em Berkeley. Nos anos 1990, tentou empreender na web, da qual já era considerado especialista. Falhou.
Em dado momento, quiçá em um surto de "sincericídio", Keen confessa: "Não era difícil ser especialista em internet naquela época. Principalmente em teoria". No epílogo, ele informa que pensou em dar ao livro o título de "Epic Fail" ("fracasso épico"), uma popular gíria da web. Seria mais apropriado.