Entrevista - Raul Velloso
Com 'violências', meta de ajuste fiscal é factível
Especialista em contas públicas, Raul VELLOSO diz que há espaço no orçamento para superavit de 1,2% do PIB neste ano
Sempre cético sobre a capacidade do governo de cortar gastos, o especialista em contas públicas Raul Velloso acha factível a meta de superavit fiscal proposta pelo ministro Joaquim Levy (Fazenda), de 1,2% do PIB neste ano.
"As pessoas se esquecem de que o Orçamento no Brasil não é impositivo. Isso significa que metade dele não é obrigatório e pode ser postergado", diz Velloso. Ele participou de vários ajustes fiscais sob supervisão do FMI nas décadas de 1980 e 1990.
Sobre o respaldo da presidente Dilma Rousseff a Levy, afirma: "Ela não tem escolha". Leia entrevista à Folha concedida logo após ter se encontrado com o ministro da Fazenda, na terça-feira (10):
Folha - O sr. acompanha há décadas crises fiscais no Brasil. Como avalia o cenário atual, de necessidade e a viabilidade de mais um forte ajuste?
Raul Velloso - No passado, sempre tivemos a pressão do FMI para corrigir rapidamente as contas públicas. O Fundo condicionava seus empréstimos e apoio a linhas de crédito privadas para o Brasil a um ajuste fiscal rigoroso e que produzisse resultados em pouco tempo. Tudo sob o risco de disparada do dólar e da inflação. E de ruptura política internamente.
Os governos odiavam o FMI, mas tinham que fazer.
Hoje a pressão vem das agências de risco. Se perdermos o grau de investimento, haverá uma fuga de dólares. Pois fundos de investimento e de pensão têm exigências regulatórias de não poderem aplicar em países sem o grau de investimento. É algo chocante ver que nos últimos 12 meses continuamos recebendo algo como US$ 100 bilhões ainda capitaneados pelo investimento direto, apesar de todos os problemas. Vamos perder isso e queimar nossas reservas em alguns meses?
Como o sr. vê as chances de Joaquim Levy entregar o ajuste que propõe?
Corre em Brasília que, se fosse só por sua conta, ele buscaria um superavit que seria o dobro do 1,2% do PIB. A Dilma não adora o Levy, mas ela não tem escolha.
O ambiente em que vivemos é muito ruim, com Petrobras e Lava Jato. Se você adicionar uma crise de pagamentos com exterior e tudo o que isso implica, podemos ter uma escalada para o impeachment. Ela sabe disso e é o que explica a decisão de fazer esse cavalo de pau.
Não é só o ajuste fiscal que mostra isso, mas o realismo tarifário e a decisão de não usar mais o câmbio no combate à inflação. São mudanças que mostram uma guinada inesperada. Isso não é uma aventura para Dilma. Ela entrou nessa para valer.
Onde se pode cortar, considerando que há resistências no Congresso?
As pessoas se esquecem de que o Orçamento no Brasil não é impositivo. Isso significa que metade dele não é obrigatória e pode ser postergada para o futuro. Não é só cortar no sentido estrito da palavra. Levy se organizou com o resto do pessoal do Planejamento e do Tesouro para fazer uma execução muito por baixo do que normalmente se faria.
Foi feita uma programação por quadrimestre, para observar o que vai acontecer, com os gastos lá embaixo. Do outro lado, vêm as medidas que já foram adotadas do lado da Receita Federal.
O Levy também tem autorização para segurar o BNDES. Acabou o financiamento do Tesouro para o banco. O que todo o mundo vai olhar é o tamanho do superavit.
O governo federal é tão grande em relação à economia que as suas receitas, despesas e inserção na economia por meio dos bancos oficiais podem obter resultados impressionantes.
O Levy vai conseguir fazer a meta desde que faça algumas violências. Se vai conseguir fazer todas essas violências, não sei. Mas ele tem outros instrumentos para cobrir as que não conseguir. Pode fazer coisas que as pessoas sequer vão perceber, como essa ideia de vender a folha de pagamentos dos servidores da União para bancos.
O sr. está otimista. Mas no meio disso existem o povo, a taxa de desemprego e o PIB. Não haverá reações?
Sou otimista porque acho que o Levy tem respaldo e sabe o que deve fazer. Dilma não tem alternativa. Está pensado a partir de um instinto de sobrevivência.
As contas públicas estão uma bagunça, e um momento de ajuste predatório e violento ajuda. É um quadro muito ruim, mas a gente esquece que já superamos no passado momentos muito parecidos.
A economia é um grande paquiderme. Os níveis de desemprego continuam baixos e vão demorar a subir. PIB é coisa de economista. A população quer emprego e salário. A inflação incomoda, mas, hoje, a perda de popularidade tem muito a ver com corrupção e a Petrobras.
No momento em que dados negativos de emprego aparecerem mais fortes, será possível vender a retomada e o médio prazo, sem ter de usar essa ladainha da economia internacional.
Os resultados de concessões começarão a aparecer, haverá dinheiro de fora e os empresários vão olhar para o futuro. O câmbio corrigido ajudará a indústria.
Mas o que eu realmente lamento é que jamais achei que, na minha vida, teria de vivenciar outra vez esse tipo de coisa.