Alexandre Schwartsman
De pesos e medidas
Se creem que o crescimento lá atrás resultou de seus acertos, como argumentar que agora o freio vem de fora?
Na semana passada, fui convidado a debater a tese do governo, que atribui o mau desempenho da economia brasileira à desaceleração global. Obviamente discordo desse diagnóstico, e os 18 leitores já foram submetidos mais de uma vez ao tema. Podem, porém, ficar aliviados, porque não pretendo tratar do assunto mais uma vez.
A discussão, contudo, fez-me pensar acerca dos argumentos que são normalmente utilizados pelo governo e por seus partidários, em particular o pouco respeito que costumam reservar à coerência e à consistência interna. Parece um pouco abstrato, mas, se me derem um tanto de crédito, acredito que a questão se elucida em um parágrafo ou dois.
Tome-se, por exemplo, a tese da desaceleração doméstica versus o crescimento mundial. Indepen- dentemente de sabermos se hou- ve, ou não, menor expansão global que possa explicar nosso fraco desempenho recente (não houve, caso queiram saber), será que os proponentes da tese estariam dispostos a defendê-la em circunstâncias distintas?
Em particular, governo e partidários admitiriam que o crescimento observado no período 2003-2010 resultaria do impulso global ou insistiriam que decorreu da liderança inspirada do presidente Lula durante seu governo? A pergunta é retórica, claro, pois já sabemos que a resposta é a segunda alternativa.
Isso dito, se creem que o crescimento do país lá atrás resultou de seus acertos, como seria agora possível argumentar que a desaceleração vem de fora, e não dos erros de política econômica? Eu ganho, nós empatamos e vocês perdem?
Também na questão inflacionária a assimetria impera. Assim, hoje o BC atribui a aceleração e a persistência da inflação à "mudança de preços relativos", apelido do aumento de preços administrados e da desvalorização da moeda.
Todavia, quando a variação de preços administrados caiu a 3,6% (em 2012) e a 1,5% (em 2013), o BC não veio a público externar sua preocupação com uma inflação ainda na casa dos 6% ao ano, apesar da ajuda extraordinária dos preços administrados. Pelo contrário, comemorou que a variação do IPCA não havia ultrapassado o limite de 6,5%.
Diga-se, aliás, que a assimetria de análise do BC não se limita ao comportamento dos preços administrados. Ao dólar mais caro se atribui a inflação mais elevada, mas, ao mesmo tempo, o BC sugere que, no futuro, o repasse do dólar para a inflação será menor. Portanto, para o BC, o dólar caro é causa da inflação passada, mas, de alguma forma, não fará rodar os moinhos da inflação futura...
E, para não afirmarem que foco exclusivamente o governo, aproveito o ensejo para lembrar artigo de Yoshiaki Nakano em que o autor afirmava: "Numa política monetária (sic) de metas de inflação, é muito mais razoável considerar as taxas médias dos últimos três meses como medida de inflação do que a taxa acumulada de inflação dos últimos 12 meses, como faz o Banco Central do Brasil".
Dado que a inflação do primeiro trimestre deste ano deve ficar em torno de 1,3% ao mês (algo como 17% ao ano!), procuro fervorosamente artigos de Nakano que demonstrem alguma apreensão com o ritmo de aumento de preços, da mesma forma que argumentava que a inflação anualizada dos três meses terminados em julho de 2014 já estava abaixo da meta. Não se preocupem, porém, pois não cheguei (nem chegarei) a perder o sono por não ter encontrado nenhuma palavra dele a esse respeito.
A isso se somam todos os que defenderam incondicionalmente a política econômica em vigor nos últimos anos e que agora posam de críticos ferozes, numa tentati- va desajeitada de se distanciar do fracasso.
Não haveria, num mundo ideal, condições para essas instâncias de desonestidade intelectual. Como não é nele que vivemos, porém, resta apontar as incoerências e as inconsistências, na vã esperança de que, da próxima vez, ao menos passem a pensar com mais cuidado nas consequências lógicas das suas próprias "análises".