Opinião
Aumentar a taxa de juros básicos é como remediar caso de dengue com aspirina
Depois de a inflação acumulada em 12 meses atingir 8,13% em março, o Banco Central optou, na mais recente reunião do Copom, por elevar os juros básicos pela quinta vez consecutiva, a quarta de meio ponto percentual.
O aumento de juros é o remédio genérico prescrito para o combate à inflação causada por excesso de demanda, ou seja, para casos em que a elevação de preços reflete procura por bens e serviços acima da capacidade de oferta dos produtores. Mas e se estivermos diante de mais um caso de dengue, quando uma aspirina torna-se veneno?
Samuel Pessôa, em sua coluna nesta Folha em 26/04/15, parece convicto de seu diagnóstico: considera que a inflação mais alta (e o deficit em conta-corrente) é sintoma do "mal" da demanda agregada excessiva que atingiria a economia brasileira.
Nesses casos, o princípio ativo dos juros altos agiria de modo a inibir o consumo e o investimento, reduzindo os tais excessos de demanda. No entanto, ao decidir prescrever esse remédio amargo, é preciso um bom conhecimento dos seus efeitos colaterais e suas contraindicações.
A elevação de juros é contraindicada, por exemplo, nos casos de economias em que há aumento da capacidade ociosa e da taxa de desemprego; de inflação puxada pela alta dos preços administrados, como tarifas de energia e combustíveis, por aumentos de custo com produtos importados e por problemas ligados à oferta de certos produtos alimentícios. Surpreendentemente ou não, a mais recente ata do Copom aponta para quase todos esses elementos no quadro brasileiro atual.
Os efeitos colaterais são diversos: aumento do desemprego e queda nos salários; maior pagamento de juros pelo governo e elevação da dívida pública, e até a chamada doença holandesa, em que a atração de capital externo pelos juros altos leva à apreciação do câmbio e à perda de competitividade, com deterioração da balança comercial. Casos (não tão raros) de recessão foram observados em muitos países, inclusive o nosso.
Interações com outros medicamentos: a probabilidade de recessão é aumentada caso o remédio seja aplicado conjuntamente com outras medidas de contração da demanda, por exemplo, um ajuste fiscal.
Finalmente, sobre a posologia e a duração do tratamento, como o nosso problemático regime de metas de inflação é definido para o ano-calendário, o Copom decide elevar a Selic em 0,25 ou 0,5 ponto percentual, a depender das expectativas inflacionárias para os próximos meses do ano, ainda que a inflação esteja convergindo para o centro da meta em um prazo um pouco mais longo.
A persistirem os sintomas, outras teorias deverão ser consultadas, como as em que o caráter inercial e persistente da inflação após os choques de custos são fruto do alto grau de indexação de contratos e das espirais de reajustes de preços e salários geradas por conflitos entre trabalhadores e empresários sobre a distribuição da renda. Em países de alta desigualdade, onde nem todos vivem de rendas financeiras, o tratamento deveria ser interrompido aos primeiros sinais de estagflação.