Premiê da China chega em meio a ceticismo com pacote bilionário
Histórico recente de promessas de investimento do país asiático no Brasil mostra que é preciso cautela
Fim do embargo à carne bovina e compra de aeronaves da Embraer, prometidos em 2014, não viraram realidade
Em seu livro "A Era da Ambição", lançado recentemente no Brasil, o jornalista americano Evan Osnos diz que os números são um refúgio habitual dos que estudam a China moderna, com sua coleção incomparável de superlativos econômicos, mas nem sempre explicam sua complexidade.
Na véspera da visita oficial ao Brasil do premiê Li Keqiang, que começa nesta terça (19), um número grandioso roubou as atenções: US$ 53 bilhões é o tamanho do pacote de investimentos que ele estaria levando ao país.
Uma cifra "estratosférica", nas palavras do subsecretário-geral do Itamaraty José Alfredo Graça Lima, que, mesmo assim, confirmou a estimativa (os chineses, não).
Outros diplomatas brasileiros que acompanharam de perto os preparativos da viagem são bem mais céticos.
INCÓGNITA
O principal problema do cálculo é que uma das maiores fatias do bolo corresponde a um projeto que ainda está longe de sair do papel e cujo preço final ninguém sabe direito --as previsões vão de US$ 5 bilhões a US$ 12 bilhões.
Proposta pela China para ligar portos do Brasil e do Peru, a Ferrovia Transoceânica foi recebida com entusiasmo em Lima e certa reserva em Brasília. Afinal, não está claro se ela de fato alcançaria o seu principal objetivo, que é reduzir o custo das exportações de commodities do Brasil para a China, via Pacífico.
"É importante analisar com muito cuidado a viabilidade do projeto, porque ele não é simples e há outras iniciativas em curso, como as ligação entre Chile, Bolívia e Peru", disse o presidente do Banco de Desenvolvimento da América Latina, Enrique García.
O projeto engatinha. Na visita de Li será criado um grupo de estudo para avaliar a viabilidade. A China tentou empurrar o pagamento do estudo para o Brasil, mas não teve sucesso, apurou a Folha.
Além do custo, uma das principais questões que o estudo vai responder é sobre o impacto ambiental, já que em princípio o trajeto da ferrovia cortaria a Amazônia.
Segundo um advogado da área ambiental que pediu que não fosse identificado, o projeto deverá sofrer oposição de organizações de defesa do ambiente de Brasil e Peru, além do Ministério Público Federal.
Para Pequim, sendo ou não viável, o projeto atende a um interesse imediato, que é diversificar investimentos e exportar o excesso de capacidade em construção de infraestrutura, num momento de desaceleração de sua economia.
"A China tem capacidade de investimento, tecnologia e experiência nessa área, e os países da América Latina têm necessidade de infraestrutura. É uma oportunidade de consolidar a relação econômica", afirmou Zhou Zhiwei, diretor do centro de estudos do Brasil da Academia Chinesa de Ciências Sociais.
De fato, um dos slogans mais repetidos por Pequim para promover sua diplomacia da infraestrutura é que ela gera uma relação "win-win" (boa para todos, em inglês).
HISTÓRICO
No caso do Brasil, o histórico recente de promessas não cumpridas por Pequim não fortalece a credibilidade dos chineses. Entre os resultados mais esperados da visita do premiê, estão a suspensão do embargo à carne bovina brasileira e a compra de 60 aeronaves da Embraer.
Ambos foram anunciados na visita ao Brasil do líder chinês, Xi Jinping, em julho de 2014, mas até agora não saíram dos discursos.
O investimento de US$ 12 bilhões da Foxconn no Brasil, anunciado pelo governo Dilma em 2011, não chegou perto desse valor.