Vinicius Torres Freire
Bestificados e à deriva
Nestes dias ou horas, não há governo para cuidar do mínimo essencial; há risco de desastres
O GOVERNO DO Brasil ora é disputado a golpes de medidas judiciais e de chicanas variadas, tiros trocados na praça dos Três Poderes, em Brasília. Na trama paralela, o governo e, muito mais ainda, a oposição disputam o apoio do presidente da Câmara, o indizível Eduardo Cunha, por meio de chantagens e por motivos torpes, na verdade, por motivo algum que não seja a mesquinharia oportunista mais sórdida.
"Às favas, neste momento, todos os escrúpulos de consciência", disse um inominável na reunião do dia da sordidez extrema, terminal, em que se decretou o AI-5, em 1968, a ditadura dentro da ditadura. Claro, decerto, sim, nem de longe estamos perto de algo parecido, ok. Mas a frase veio a calhar, o que, de qualquer modo, não é bom sinal.
Isto posto, o que dizer até sobre as perspectivas mais imediatas do que se passa na economia brasileira? A cada dois dias, a nuvem radioativa da política muda. O dólar? A CPMF? O pacote fiscal? A Previdência? Hum.
Estamos à deriva. Como a biruta da política gira de modo tresloucado, pode até bem ser que pare numa direção menos pior (melhor não será). Mas estamos à deriva, sem saber o que será feito das implementação das medidas mais comezinhas ou, hoje até feito grandioso, da aprovação de um remendo que seja no Orçamento de 2016.
Por enquanto, para nem mencionar a ameaça de estagnação prolongada, voltamos a namorar um colapso.
De qualquer modo, estamos no caminho de empatar com a segunda pior recessão da história registrada do Brasil, o triênio de Collor. Pelas previsões de hoje, falta pouco.
Na noite desta terça-feira, 13 de outubro, quando era escrita esta coluna, mal se entendia ainda se o Supremo Tribunal Federal tinha provisoriamente limitado as atribuições do presidente da Câmara dos Deputados (devido às liminares que suspenderam o "rito", o roteiro de votação de um possível processo de impeachment da presidente da República).
Note-se de passagem, a respeito do presidente da Câmara dos Deputados, que, por muito, muito menos, dezenas de pessoas foram para a cadeia provisória ou para a penitenciária nesta década presidiária da governança do Brasil.
Em resumo, diante do quadro que se desenhava ontem, parece não haver perspectiva alguma de que em algum momento o Congresso vá aprovar nem ao menos os remendos mínimos. Ou seja, aprovar os reforços nos esparadrapos que seguram a sangria que vem desde o final de julho, quando o governo começou a confessar que não tinha controle sobre o deficit de suas contas neste ano, engrossada no final de agosto, quando o governo confessou sem mais que não tinha controle também sobre o rombo de 2016.
Setembro foi o resultado disso, o ensaio geral do colapso. Pelo jeito, agora talvez devamos nos preparar para pré-estréia de um desastre agudo.
Discussões sofisticadas sobre mudanças de regime de política econômica, de metas de inflação, de política cambial, tudo isso parece cada vez mais é sofismático. No momento, nas horas que correm, não há governo para cuidar do essencial, nem sistema político que cuide ao menos de evitar acidentes graves.