Análise
Mandatos presidenciais ilimitados ameaçam voltar à África
Em 1947, o Congresso dos EUA aprovou a 22ª emenda à Constituição do país, limitando a dois o número de mandatos que um presidente eleito pode cumprir.
Desde que George Washington estabeleceu o precedente ao deixar o posto em 1797, a legislação consolidou uma tradição contrariada apenas uma vez --por Franklin Roosevelt, durante a Segunda Guerra Mundial.
Em crescente número de países da África subsaariana, o perigo é de que a tendência oposta esteja fincando raízes, o que representa um dilema para Washington.
Os EUA, ao lado de ativistas africanos pela democracia, tiveram papel fundamental em conseguir a adoção da limitação de mandatos nas Constituições de países africanos depois da Guerra Fria, quando o Ocidente começou a abandonar os regimes que apoiava.
Passadas duas décadas, há sinais de manipulações constitucionais que permitiriam que diversos chefes de Estado africanos prolongassem seu período no poder.
O perigo é que os EUA e outras potências ocidentais tratem essa tendência potencialmente desestabilizadora de forma seletiva, defendendo o princípio em países cujos líderes eles favorecem menos e mantendo o silêncio quando a questão envolver aliados africanos preferenciais.
O fenômeno pode expor os limites da influência americana. Em um continente tão orientado por Pequim e outras potências emergentes, alguns líderes africanos talvez já não sintam a necessidade do endosso de Washington.
Yoweri Museveni, de Uganda, desbravou essa trilha. Pouco após assumir o poder, em 1986, escreveu que "o problema da África em geral, e de Uganda especificamente, não são os povos, mas os líderes que desejam ficar mais do que deveriam no poder".
Em uma infame reviravolta de posição, em 2005 ele organizou uma reforma constitucional para se permitir um terceiro mandato. Agora, aos 71 anos, está cumprindo seu quarto mandato seguido.
Museveni continua a desfrutar de apoio americano, porque seu país é uma das fundações da estabilidade no leste da África.
O octogenário autocrata de Camarões, Paul Biya, no poder desde 1982, seguiu caminho semelhante, da mesma forma que Blaise Compaoré, de Burkina Fasso, que agora se vê diante de uma deposição. Burundi e Togo devem ir pelo mesmo rumo.
Mas é em Ruanda e em seu vizinho gigantesco, a República Democrática do Congo, que é provável que o dilema seja mais pronunciado.
Os EUA vêm pressionando agressivamente o presidente congolês Joseph Kabila a aderir à lei e deixar o posto com as eleições de 2016, mas existem rumores sobre um referendo a respeito.
"Somos um país onde existe limitação de mandatos. Vivemos com isso... e encorajamos outros países a aderir a suas constituições", disse o secretário de Estado americano, John Kerry, depois de fracassar em obter quaisquer garantias de Kabila quanto ao assunto na conferência de cúpula dos EUA com líderes africanos no começo de outubro.
Kabila vem se esforçando em impor sua autoridade ao vasto Estado em dissolução que ele governa e tem poucos aliados internacionais que veriam sua manutenção como receita para a paz.
As atitudes com relação a Paul Kagame, em Ruanda, são mais complicadas. Ele é a força política dominante no país desde o genocídio de 1994, e conta com apoio de um grupo de líderes empresariais e políticos dos EUA e da Europa ""conhecido como "Amigos de Ruanda".
Algumas instituições africanas se provaram robustas para derrotar ambições quanto a terceiros mandatos --notavelmente na Nigéria e em Moçambique. Mas cresce o risco de que os dominós comecem a cair.