Análise
Em momento Piketty, presidente dos EUA mostra confiança
"Nossa economia não crescia tanto e não gerava tantos empregos desde 1999 e nosso desemprego já é menor que antes da crise de 2008. Nunca dependemos tão pouco da importação de petróleo em quase 30 anos, e o preço da gasolina despencou. Nunca tantos americanos estiveram cobertos por um plano de saúde."
"A sombra da crise passou, e o estado da união é forte", disse um confiante e otimista Barack Obama na noite de terça (20).
Ironicamente, foi seu primeiro discurso sobre o Estado da União diante de um Congresso totalmente dominado pela oposição republicana, mas ele não deu o menor sinal de se sentir encurralado. Ao contrário.
Em momento Piketty, economista francês autor do best-seller "O Capital no Século 21", o líder americano defendeu uma agenda mais à esquerda, de mais impostos aos mais ricos, de programas sociais e deduções fiscais aos mais pobres e à classe média, sem dar mais detalhes da reforma tributária que deve enviar ao Congresso no dia 2. Citou até a importância de sindicatos fortalecidos.
"Aceitaremos uma economia em que só alguns poucos de nós se dão espetacularmente bem? Ou nos comprometeremos a gerar rendas e oportunidades para todos que lutam?", perguntou.
Nem parecia o Obama que foi escanteado por seus próprios colegas democratas na última campanha eleitoral, com medo de que espantasse votos, e que levou uma surra dos republicanos na eleição legislativa de novembro.
Fortalecido pela economia, Obama viu sua popularidade subir sete pontos entre novembro e janeiro, chegando a 47%. O ego do presidente passou o recibo.
OFENSIVA
Obama partiu para o ataque, sugerindo leis e reformas mais à esquerda que têm pouquíssima chance de ser aprovadas em um Congresso dominado pelos conservadores.
Pela primeira vez, um presidente americano pediu o fim do embargo a Cuba. A lista de pedidos foi longa. Pediu que o Congresso também aprove o fechamento da prisão militar de Guantánamo.
Pediu aumento do salário mínimo, igualdade salarial para homens e mulheres por lei, licenças médicas e licença-maternidade (que não existe ou não é paga nos EUA). E ainda falou de seu plano de tornar gratuita parte da educação universitária.
"Se alguém neste Congresso acha que dá para viver com o atual salário mínimo, tente fazê-lo", desafiou.
Ameaçador, disse que vetaria qualquer projeto que acabasse com seu plano de saúde, que criasse sanções contra o Irã antes de um acordo ser alcançado ou que revertesse o fim das deportações de alguns imigrantes sem documentos que ele assinou em novembro.
Em um raro momento em que parecia sugerir algo palatável aos republicanos, Obama pediu que o Congresso lhe dê autorização especial para negociar de forma acelerada novos acordos comerciais com a Europa e com países do Pacífico.
Com decretos presidenciais em temas polêmicos (Cuba, imigração, mudança climática) e a economia a seu lado, Obama tenta recuperar a narrativa da esperança e da mudança do início de seu mandato, perdida há tempos, e a construir seu legado.
Tem menos de dois anos para isso. Mas, pelo discurso de terça, os republicanos terão mais trabalho em transformá-lo em um passivo pato manco.