Análise
Compromisso de Brasil e EUA com clima é menor do que parece
A declaração assinada por EUA e Brasil em 30 de junho, durante o encontro de Dilma Rousseff com Barack Obama, tem significado mais limitado do que os respectivos governos propagandeiam.
Os EUA, maiores emissores de CO² até 2006, continuam entre os maiores emissores per capita. Suas emissões estão em redução desde 2009, mas em ritmo muito menor que o necessário, segundo suas responsabilidades no orçamento global de carbono.
A meta que apresentaram para a conferência global do clima em Paris está superestimada por utilizar como referência o ano de 2005, em vez de 1990 (ano do Protocolo de Kyoto, normalmente usado como referência).
A meta de redução de 13% em 2025, se relacionada a 1990, está longe de ser consistente. A União Europeia é a única potência mundial com meta compatível com a prevenção da mudança climática perigosa: redução de 40% das emissões em 2030, com relação a 1990.
De 1990 a 2004, o Brasil foi o emissor mais irracional de CO² do planeta, com 70% das emissões vindas do desmatamento na Amazônia --essa destruição representava de 3% a 4% das emissões globais. Isso foi parcialmente compensado entre 2005 e 2010, quando o país reduziu em 40% suas emissões totais, devido ao controle do desmatamento, e aprovou avançada lei de mudança climática.
Desde 2011, no entanto, o país está estagnado na implementação da lei: o desmatamento decresce já muito pouco na Amazônia e aumenta no cerrado. E as emissões de agricultura, pecuária, transporte e geração elétrica aumentam substancialmente.
SEM METAS
Na declaração conjunta, o Brasil, diferentemente dos EUA, não apresentou metas para suas emissões futuras.
Trata-se de mais um tributo da diplomacia brasileira ao multilateralismo --em negação à crise profunda em que este se encontra.
Tributo à obsoleta coalizão do G77 e aos parceiros do Basic (Brasil, África do Sul, Índia e China), enquanto a China, também do Basic, não teve preocupação ao anunciar metas em documento conjunto com os EUA em 2014.
De qualquer modo, as metas da China também estão longe de suficientes diante de suas responsabilidades no orçamento global de carbono.
No documento conjunto, o Brasil limita-se a três compromissos básicos, dos quais os dois primeiros são extremamente insuficientes:
1) Zerar o desmatamento ilegal em 2030, confessando precisar de mais 15 anos para fazer cumprir lei vigente desde 1996. É o único país de renda média do mundo que não controla o desmatamento ilegal, problema típico de países de renda baixa;
2) Recuperar 120 mil km² de florestas, equivalentes a 1,3% de seu território, sendo que, em 40 anos, desmatou mais de 20% disso;
3) Atingir de 25% a 33% na participação de fontes renováveis (não hidroelétricas) na matriz energética em 2030.
Essa última meta, junto ao desenvolvimento das redes de transmissão inteligentes e baterias, poderá implicar um impulso importante às energias eólica, solar, de biomassa moderna e nuclear.
Contudo, não está claro o quanto o Brasil investirá e quão profundamente ambos os países irão cooperar na inovação tecnológica no complexo energético de baixo carbono ""questão vital para nosso futuro, se queremos ser uma sociedade desenvolvida.
A visita de Dilma aos EUA sinaliza boas potencialidades de aprofundamento da relação bilateral, com a qual temos muito a ganhar em várias dimensões. Infelizmente, no entanto, é pouco relevante em termos de sua contribuição para a descarbonização da economia mundial.