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O caso da reeleição
Costumes políticos não vão melhorar a golpes sucessivos de mudanças nas regras, menos ainda revogando uma norma tão democrática
Nesta campanha eleitoral pródiga em falsas questões, poucos temas terão alcançado tanta projeção indevida como o fim da reeleição.
A candidata derrotada Marina Silva (PSB), que contribuiu para adensar o conteúdo programático do debate no primeiro turno, nesse caso prestou um desserviço --no que foi acompanhada pelo candidato Aécio Neves (PSDB).
O instituto tem seus prós e contras, como toda regra eleitoral, mas decerto não está no fulcro das muitas distorções da política nacional. Ao contrário: como defende esta Folha há décadas, o arranjo consagrado por emenda constitucional de 1997 é mais democrático que a alternativa de um único mandato.
O primeiro e mais óbvio argumento em favor da possibilidade de reconduzir um governante é o direito do eleitor de julgar sua administração com o mais eficaz dos instrumentos: o voto.
Trata-se de poderoso estímulo para o ocupante do cargo fazer uma gestão responsável, voltada para resultados, e para não ceder à tentação de legar bombas de efeito retardado ao sucessor.
Além disso, superestimam-se as duas principais desvantagens atribuídas à reeleição: dano à desejável alternância de poder e desequilíbrio entre concorrentes pelo uso da máquina pública.
Não se pode falar em perpetuação no cargo quando se trata de meros dois mandatos, como no Brasil. A reeleição, ademais, não é uma garantia, como pode testemunhar a presidente Dilma Rousseff (PT), que pena para confirmar o padrão estabelecido por Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Tampouco tem sido essa a regra nos governos estaduais desde as eleições de 1998, quando a norma passou a valer. Como assinalou o colunista Fernando Rodrigues nesta Folha, dos 77 governadores que buscaram um segundo mandato, apenas 50 o conseguiram (rejeição nas urnas de 35%, portanto).
Entre prefeitos, a taxa de sucesso é ainda menor, pouco mais de 50%, mostraram em 2012 Thomas Brambor e Ricardo Ceneviva em trabalho publicado na revista "Novos Estudos". Se incluídos na amostra os alcaides que não tentaram a reeleição, o índice cai para 40%.
São limitados, como se vê, os poderes eleitoreiros do incumbente. Para restringir abusos com recursos públicos nas campanhas, de resto, existem tribunais eleitorais.
Se não há benefício em alterar a norma, reside, na própria mudança, um malefício. A democracia brasileira é relativamente jovem, tem menos de 30 anos, e o instituto da reeleição, apenas 16.
Convém deixar a lei ser aperfeiçoada com o tempo, com a aplicação continuada. Um sistema político não amadurece da noite para o dia, e modificações a cada ciclo eleitoral decerto não contribuem para melhorar a cultura democrática --ao contrário, ampliam a incerteza quanto às regras do jogo.